domingo, 21 de março de 2010

Me chame quando conseguir...

"...depois de algum tempo convivendo com White Goose, Hawatha havia percebido que diminuira a necessidade de fazer perguntas. Parte pela economia de respostas do ancião, parte porque elas pareciam realmente minguar.
Uma noite, após a ceia, na beira do fogo, ouvindo durante bastante tempo o coaxar dos sapos e o cri-cri dos grilos, Hawatha pigarreou e falou, escolhendo bem as palavras:
- Percebo que não entendo muito bem o que você fala, mas me sinto cada vez mais confortável na sua presença e com o seu silêncio. Ao mesmo tempo, parece que não importam mais as dúvidas que eu tinha quando aqui cheguei. É estranho, pois cada dia parece que sei menos, mas ao mesmo tempo desaparece a vontade de querer saber alguma coisa. Não sei explicar direito, mas é deste jeito que me sinto...
White Goose pareceu olhar um ponto no centro do fogo. Sorriu.
- Quando você chegou, parecia um papagaio, repetindo questões que não eram suas. Elas sumiram. De acordo com você, na minha presença.
...
- Olhe para a possibilidade de que seja na "minha" ausência. De qualquer maneira, algo parece acontecer. Tentando descreve-lo parece um mudo explicando o sabor de um favo de mel a um cego...
White Goose sorriu ao ver o efeito da imagem contida na sua frase. Continuou:
- Imaginar que algo dependa de alguém para acontecer é conseqüência de uma idéia de separação. Perceba onde esta sensação acontece. Não é onde todo o resto também acontece? O fogo, os sapos, a floresta, você...
...
- Você se sente confortável onde, exatamente? Não é nisso que você chamou de silêncio? Ele pertence a alguém em especial ou tudo se manifesta nele? Consegue se ver separado disso? Não pense, apenas olhe para isso!
...
- Impossível separar, não é mesmo? Pois neste exato momento você está em casa, meu amigo. Sempre esteve! Na verdade, esta casa é você...
...
- Dar-se conta disso não é uma sensação gostosa?
...
...

- Permaneça nisso. Ou melhor: tente sair disso. Com todas as suas forças!
...
...

- Enquanto tenta, mantenha o fogo aceso... Somente me chame quando conseguir sair..."
...

(White Goose)

Continuação...

quarta-feira, 17 de março de 2010

Bushido

Li no blog do Ikeda o “Bushido”, o código de honra dos samurais, cuja origem remonta o século XIV. Havia lido alguns livros sobre o assunto, como “O livro dos cinco anéis” de Miyamoto Musashi, um dos maiores, senão o maior, samurais da história. Sempre me chamou a atenção a aparente mistura da prática guerreira e espiritualidade contida em todos os livros, textos ou filmes sobre o assunto. Hoje percebo que é tudo uma coisa só, que não há nenhuma divisão. Quando acontece é como um método de transmissão de algo. Sob este ponto de vista percebi que algumas frases do “Bushido do blog” estavam meio fora de contexto. Comuniquei o Ikeda e resolvi dar uma pesquisada sobre o assunto no Oráculo virtual. Uma viagem ao Japão medieval.
Bushido quer dizer, na tradução corrente, o caminho do guerreiro (bushi: guerreiro; do: caminho).
Em alguns textos mais antigos encontrei uma tradução um pouco diferente de bushi: aquele que é (ou que faz) o caminho. Para “do” uma tradução menos usual: agir como, comportar-se como ou vestir-se como. A tradução de Bushido ficaria algo do tipo “o agir daquele que é o caminho”, ou “ação no caminho”. Apesar de mais estranho, gostei muito mais destas “versões”...
Este código foi estruturado com base no budismo, no xintoísmo e no confucionismo. Do budismo extraiu o desapego aos objetos com a percepção de sua impermanência. Do confucionismo a lealdade com a comunidade, a família e ao senhor feudal. Do xintoísmo o profundo respeito Àquilo que tudo anima.
As principais virtudes decorrentes da prática do Bushido são:
Honestidade/Justiça (GI),
Coragem (YUU),
Benevolência (JIN),
Educação (REI),
Sinceridade (MAKOTO),
Honra (MEIYO) e
Lealdade (CHUUGI).

Estava começando a perceber o vínculo destas sete virtudes com o “caminho óctuplo” do budismo, quando Ikeda (que também estava pesquisando, pelo visto...) me enviou outra versão do Bushido, em inglês, que me pareceu bem mais precisa, bem mais... samurai!
Comecei a traduzir fazendo alguns exercícios com os verbos. E eis que, em Viamão, surge a versão 2010 do Bushido, totalmente “irresponsável” sob o ponto de vista histórico:

Bushido
Não desejo um lar, o momento presente é o lar;
Não desejo poder, o ritmo da natureza é o poder;
Não desejo liberdade, consciência é liberdade;
Não desejo habilidade, prática incessante é a habilidade;
Não desejo autoridade, honestidade é a autoridade;
Não necessito armas, ausência do ego é a maior arma;
Não sigo regras, prontidão e adaptabilidade são as regras;
Não tenho inimigos, apatia e descuido são inimigos;
Não necessito amigos, o universo é amigo;
Não sigo planos, paciência é o plano;
Não tenho estratégia, atenção desfocada é a estratégia;
Não tenho segredos mágicos, ação apropriada é o mágico segredo;
Não necessito ouvir, quietude é a audição;
Não tenho corpo, resistência incansável é o corpo;
Não tenho olhos, a intuição é meu olho;
Não necessito armadura, coragem e prontidão são a armadura;
Não necessito fortaleza, a não-mente é fortaleza;
Não necessito escudos, respeito à vida é o escudo;
Não necessito espada, percepção aguda é a espada;
Não almejo honra, compaixão e gentileza são a honra;
Não almejo vitórias, harmonia e equilíbrio são as vitórias;
Não desejo recompensas, lágrimas e sorrisos são as recompensas;
Não almejo vida ou morte, o ritmo da respiração são a vida e a morte;

Fica claro ao término da leitura (fora a absoluta admiração e integração com o conteúdo) que o Bushido é tanto uma meta a ser atingida quanto a expressão da sua obtenção. Que o que quer que tenha que ser obtido já está disponível agora, mas que sua obtenção requer o desenvolvimento das virtudes disponíveis quando... da sua obtenção! Que a meta é a obtenção das virtudes e que sua obtenção mostra de forma inequívoca que não há nada a ser almejado e que nem mesmo a meta faz o menor sentido...
E finalmente, que a precisa compreensão do Bushido não fica totalmente explícita na sua tradução alternativa, na versão original ou mesmo nesta explicação...
:)
Deva (Viamão – março/2010)

Continuação...

terça-feira, 2 de março de 2010

O preço da liberdade

Liberdade é grátis, mas não é barata.
Na verdade ela não tem preço.
Custará a você seu mundo, seus apegos, sua vida, você mesmo.
Você pagará repetidas vezes até estar drenado de tudo que “você” tem, de tudo o que “você” tiver economizado.
Você trocará tudo isso pelo que “você” não tem – seu eterno Ser.
(Mooji)
Continuação...

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Quem vê o que o budha diz?

"Não se apresse em acreditar em nada, mesmo se estiver escrito nas escrituras sagradas. Não se apresse em acreditar em nada só porque um professor famoso falou. Não acredite em nada apenas porque a maioria concordou que é a verdade. Não acredite em mim. Você deveria testar qualquer coisa que as pessoas dizem através de sua própria experiência antes de aceitar ou rejeitar algo."
(Siddartha Gautama, Kalama Sutra 17:49)

Como seria se todos seguissem este ensinamento absolutamente perfeito? Talvez ele não fosse mais necessário. Sua atualidade reside exatamente na razão da sua existência. Há o cômodo hábito de tomar por garantido aquilo que é dito por alguém reconhecido, mesmo que este alguém (como Sidharta) alerte para a transitoriedade do que ele mesmo disse e proponha uma verificação individual. Invariavelmente esta investigação é deixada de lado. Parte em função do funcionamento da mente tradicional, parte em função da acomodação à zona de conforto, ao estabelecido, o que dá no mesmo. Há a tendência de aceitar apenas aquilo que faz sentido ao sistema de crenças. Absorve-se apenas aquilo que agrega conhecimento sem desestruturar o construido por anos de uma lavagem mental ao inverso. Obtemos uma quantidade impensável de conhecimento que, utilizado sem lucidez, apenas acumula lixo ao véu de samsara mental. Mantemos e incrementamos um processo de auto-limitação absurda, onde apenas aquilo que faz sentido a este limitado "firewall" mental é liberado para ser digerido.
O que aponta para a sabedoria implícita ao "não sei", para a verificação, para a possibilidade de descontrução do falso é desconsiderado. Não há clareza de perceber que esta rejeição à investigação é originada naquilo que receia ser desmascarado e desconstruido. Neste "fazer vista grossa" à sabedoria do ensinamento, endeusamos imagens, identificamo-nos com uma gama enorme de pensamentos ilusivos e nos fixamos nas estruturas mentais (ou físicas) que ciclicamente os sustentam. Isto é, aliás, a base de todas as estruturas religiosas constituidas e que não apontam para nada que não aumente o seu poder temporal. Há um medo atávico e inconsciente do confronto com a solitude instransferível da investigação individual e direta, que possibilita um vislumbre do eternamente disponível e libertador aqui-agora. Neste contexto, faz todo sentido a dificuldade de entender com toda a profundidade uma frase de Mooji: "é fácil ser o que você é. Difícil é deixar de ser o que você não é".
Love
Deva
Continuação...

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Encontro

O diálogo, ocorrido ao anoitecer, foi iniciado por um jovem canadense que vestia um Lungi e um fino Kurta (vestuário típico hindu). Disse que tinha vinte e três anos, mas parecia apenas ter saído de sua adolescência. Exibia, em torno do pescoço, uma elegante e pequena cruz de prata em uma delicada corrente. Ele disse que havia encontrado o livro "I Am That" em uma livraria de Mumbai, dois dias atrás. Uma olhada rápida em poucas páginas motivou o desejo de encontrar pessoalmente Maharaj. Ele tinha lido o livro quase continuamente, do meio-dia até à noite, e havia terminado de ler apenas poucas horas atrás. Segue o diálogo:

Maharaj: Você é tão jovem. Desejo saber desde que idade tem estado interessado na busca espiritual.

Visitante: Senhor, desde que recordo tenho estado profundamente interessado no Amor e em Deus; e senti, com intensidade, que eles não são diferentes. Quando eu sento em meditação, freqüentemente...

M: Espere um momento. O que você entende exatamente por meditação?

V: Realmente, não sei. Tudo o que faço é sentar com as pernas cruzadas, fechar meus olhos, e permanecer absolutamente quieto. Sinto meu corpo relaxando, quase se desvanecendo, e minha mente, ou ser ou o que quer que seja, funde-se no espaço, e o processo de pensamento fica gradualmente suspenso.

M: Isto está bem. Por favor, prossiga.

V: Freqüentemente, durante a meditação, um devastador sentimento de amor extático surge em meu coração junto com uma efusão de bem-estar. Eu não sei o que é. Foi durante um de tais momentos de encanto que me senti inspirado a visitar a Índia – e aqui estou.

M: Quanto tempo ficará em Mumbai?

V: Realmente, não sei. Raramente, faço planos. Tenho dinheiro suficiente para viver frugalmente por quinze dias, e tenho minha passagem de retorno.

M: Agora, diga-me, o que exatamente quer saber? Tem alguma pergunta específica?

V: Eu era um homem muito confuso quando desembarquei em Mumbai. Senti que iria perder o juízo. Realmente, não sei o que me levou à livraria, pois não leio muito. No momento que apanhei o primeiro volume de Eu Sou Aquilo, experimentei o mesmo sentimento esmagador que obtinha durante minhas meditações. Conforme fui lendo o livro, um peso parecia estar sendo removido de dentro de mim e, agora que estou sentado aqui diante de você, sinto como se estivesse falando para mim mesmo. E o que estou dizendo para mim mesmo parece blasfêmia. Eu estava convencido que o amor é Deus. Mas agora penso que o amor é, seguramente, um conceito e, se o amor for um conceito, Deus também deve ser um.

M: E o que está errado nisto?

V: (Rindo) Bom, se você coloca isto desta maneira, não tenho nenhum sentimento de culpa em transformar Deus em um conceito.

M: De fato, você disse que Deus é amor. O que você quer dizer com a palavra ‘amor’? Quer dizer ‘amor’ como o oposto de ‘ódio’? Ou alguma outra coisa embora, certamente, nenhuma palavra possa ser adequada para descrever ‘Deus’.

V: Não. Não. Pela palavra ‘amor’, certamente, não me refiro ao oposto de ‘ódio’. Refiro-me àquele amor que é a abstenção da discriminação entre ‘mim’ e o ‘outro’.

M: Em outras palavras, a unidade do ser?

V: Sim, sem dúvida. O que é então o ‘Deus’ a quem eu supunha orar?

M: Falaremos mais tarde sobre a oração. Agora, então, o que exatamente é este ‘Deus’ sobre o qual você está falando? Não é a própria consciência – o sentido de ‘ser’ que se tem – pela qual você é capaz de fazer perguntas? O próprio ‘eu sou’ é Deus. Que é o que você mais ama? Não é este ‘eu sou’, a presença consciente a qual você quer preservar a qualquer custo? A própria busca é Deus. Na busca você descobre que ‘você’ está separado deste complexo corpo-mente. Se você não fosse consciente, o mundo existiria para você? Existiria qualquer idéia de Deus? A consciência em você e a consciência em mim – são diferentes? Não são separadas apenas como conceitos que buscam a unidade não concebida que, por sua vez, não é outra coisa senão amor?

V: Agora entendo o que quer dizer “Deus está mais próximo de mim que eu mesmo.”

M: Lembre, também, não há nenhuma prova da Realidade exceto sê-la. De fato, você é ela, e sempre foi. A consciência cessa com o fim do corpo (e é, portanto, limitada pelo tempo) e, com ela, cessa a dualidade que é a base da consciência e da manifestação.

V: O que, então, é a oração, e qual o seu propósito?

M: A oração, como é geralmente entendida, é somente suplicar por alguma coisa. Mas, na realidade, a oração significa comunhão, união, Ioga.

V: Tudo está tão claro agora, como se um monte de escombros fosse repentinamente lançado fora de meu sistema, apagado da existência.

M: Quer dizer que você agora parece ver tudo claramente?

V: Não. Não! Não ‘parece’. É claro, tão claro que estou assombrado de não ter visto antes. Várias afirmações que li na Bíblia, que pareciam importantes, mas vagas, são agora claras como cristal – declarações como: Antes de Abrahão ser, eu era; Eu e meu pai somos um; Eu sou o que Eu sou.

M: Bem. Agora que você compreendeu, que Sadhana o fará obter a liberação de sua ‘escravidão’?

V: Ah! Maharaj. Agora você está certamente ridicularizando-me. Ou está me testando? Seguramente, agora eu sei que Eu Sou Aquilo – Eu sou, o qual sempre fui e sempre serei. O que resta fazer? Ou desfazer? E quem vai fazer isto? Para que finalidade?

M: Excelente! Apenas seja.

V: Sem dúvida, deverei ser.

Então, o jovem canadense prostrou-se diante de Maharaj – seus olhos cheios de lágrimas de gratidão e alegria. Maharaj perguntou-lhe se iria voltar novamente, e o jovem disse: “Honestamente, eu não sei”. Quando ele saiu, Maharaj sentou por um tempo com os olhos fechados e com o mais doce dos sorrisos em seus lábios. Então disse muito suavemente: “alguém excepcional”; pude apenas entender estas palavras...
Continuação...
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