terça-feira, 1 de setembro de 2009

Conhecimento mortal

A sociedade onde vivemos valoriza muito o conhecimento. É considerado um grande tesouro, que durante anos é buscado e acumulado. Mas, ou por não ocupar um espaço físico determinado ou por alguma outra razão, sua obtenção parece não satisfazer aquilo que o obtém... A idéia inicial que gerou a sua procura permanece intacta. A busca por mais conteúdo é contínua, ininterrupta... Mesmo com toda a acumulação há uma sensação de que alguma coisa está faltando, algo incompreensível em si. É uma espécie de vício. Quanto mais conteúdo é “consumido”, mais coisas diferentes e exóticas são lidas, mais continua a sensação de não estar vendo o essencial, aquilo que realmente vai preencher ou saciar.
Perfeito!
Conhecimento é obter uma visão de mundo através olhos dos outros, que por sua vez o obtiveram dos outros e assim sucessivamente... Algo como ver através de um vidro sujo! Isso é o que o conhecimento é: algo percebido através de um olho de vidro! Não se pode “ver” o essencial, a origem. É impossível, pois Isso é algo existencial, individual e intransferível! Não é engraçado isso? Todas as conclusões que tivemos até hoje foram baseadas no que vimos através de algo opaco, turvo! Todas as cores, todos os matizes, toda a maravilhosa beleza intrínseca da natureza que nos circunda e daquilo que permite a natureza expressar-se... E é isso que fazemos ao longo de toda a vida, desde a mais tenra idade...
Todo esse desejo de saber mais e mais... Olhamos mas não observamos profundamente as coisas que estão acontecendo ao redor. Comparamos o que vemos com o conteúdo da mente que por sua vez foi obtido da mesma forma, numa espiral teórica e finita. E mais uma idéia é criada, como se fora a fonte de toda a vida... Sabemos de tudo, mas experimentamos verdadeiramente pouco, muito pouco!  
Isso se inicia na infância... Toda criança é lentamente envenenada pelo conhecimento... São lentamente distraídas da sua inocência, da sua curiosidade, do seu não-saber, da inteligência original. Crenças são impostas como verdade e toda a força de sua natural confiança e ilimitada inocência fazem com que elas acreditem no artificial, no falso que está sendo transmitido. Talvez por isso elas pouco a pouco se tornem tão tristes. Toda a alegria, todo o êxtase de viver o desconhecido, o novo é esquecida em troca do conhecido. Pouco a pouco elas ficam iguais à multidão adormecida que as rodeia. A isso chamamos “educação”. O momento máximo desta corrida insana é o momento em que uma criança está perfeitamente condicionada, obediente e sem capacidade de pensar por si mesma. Dizemos então que ela está perfeitamente educada. Pronta para ser utilizada pela sociedade de consumo. Ficamos satisfeitos e orgulhosos em saber que ela foi iniciada nas crenças dos seus pais, sem perceber que tudo aquilo que fizemos foi destruir a capacidade delas saberem por si mesmas. Destruímos a sua autenticidade, a sua preciosa inocência. Fechamos suas portas e janelas. Agora elas viverão totalmente protegidas, cercadas por todos os tipos de teorias estúpidas, sistemas de pensamento, filosofias, ideologias e crenças. Elas estarão perdidas em uma selva de palavras e conhecimentos e não poderão sair facilmente disto. O resultado disso tudo? Olhe-se num espelho, honestamente, e você verá...

2 comentários

Anônimo disse...

Cara Deva. Adorei este seu artigo. Terminei meu doutorado um pouco antes de ter minha filha. Tudo o que aprendi foi inutil para ser usado na minha relação com ela. Tenho a sensação de que os conteudos aprendidos são "corpos estranhos" a nos contaminar. Com ela é tudo novo. Ler o que voce escreveu me tranquilizou muito. Obrigada! Andrea G S

Priya disse...

"Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro,
Mas um animal humano que a Natureza produziu.
E assim escrevo, querendo sentir a Natureza, nem sequer como um homem,
Mas como quem sente a Natureza, e mais nada.
E assim escrevo, ora bem, ora mal,
Ora acertando com o que quero dizer, ora errando,
Caindo aqui, levantando-me acolá,
Mas indo sempre no meu caminho como um cego teimoso.
Ainda assim, sou alguém.
Sou o Descobridor da Natureza.
Sou o Argonauta das sensações verdadeiras.
Trago ao Universo um novo Universo
Porque trago ao Universo ele-próprio.
Isto sinto e isto escrevo
Perfeitamente sabedor e sem que não veja
Que são cinco horas do amanhecer
E que o sol, que ainda não mostrou a cabeça
Por cima do muro do horizonte,
Ainda assim já se lhe vêem as pontas dos dedos
Agarrando o cimo do muro
Do horizonte cheio de montes baixos."
Caeiro

Love you

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