P: Tenho medo do que, então?
Beloved,
O que é o medo se não um pensamento do qual não gostamos? Ou do qual temos medo? A questão não é o pensamento em si, mas a credibilidade a ele atribuida. Gostamos de pensamentos bons, que geram sentimentos considerados bons. Não gostamos de pensamentos ruins que geram sentimentos desagradáveis. Mas o substrato do qual eles são compostos(se algum) é o mesmo. Nos apegamos aos sentimentos bons e queremos que os ruins passem depressa. Ou não venham. Este fazer algo a respeito é o que os validam. Temos medo do medo. Essa espiral é que o torna tão "poderoso".
Algumas coisas precisam ser percebidas. Em primeiro lugar, pensamentos nascem. E morrem. A todo momento. A mente é uma antena receptora do ambiente que a cerca. Todos os sentidos são suas fontes de informação, matéria prima para mais pensamentos. Além disso ela é uma classificadora automática de pensamentos, baseada nas informações obtidas e armazenadas no passado. Bom, ruim, bonito, feio. Acreditamos neste julgamento (um pensamento) sem questioná-lo. Ele origina a rejeição ao que é feio ou ruim. E o gostar do que é bonito ou bom. Com atenção poderemos perceber que nada podemos fazer com os sentimentos bons. Eles vêm e vão. Somem. O mesmo com os ruins. Na verdade tudo vem e vai! Há uma impermanência constante na dualidade. Nada pode ser feito a este respeito. Nada! O medo acontece. E desacontece. Se nada for feito ele desaparece de onde veio. Se algo for feito ele permanece um pouco mais. Mas desaparece da mesma forma. A aceitação do sentimento o dissolve. Somente a aceitação. Lutar contra dá vida ao que não tem vida em si mesmo. A não aceitação nos torna ocupados e ansiosos gestores de pensamentos. A aceitação nos torna testemunhas de tudo o que acontece e desacontece. A não aceitação é um fazer da mente. A aceitação apenas é. Sempre.
Love
Deva
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
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Medo do que? |
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
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O guardador e o semeador |
O guardador de rebanhos saiu a passear. O dia estava muito lindo e ele andava pelas estradas, olhando para a direita e para a esquerda. De vez em quando, olhando para trás... Via, a cada momento, coisas que nunca havia visto antes. Viu um homem aproximar-se de uma árvore com flores e perguntar:
- Mangueira diga-me, por que floresces? E a mangueira não respondeu ao homem (era um semeador).
“Mangueira não fala a língua dos homens”, pensou o guardador. Mas não disse nada, pois tinha o pasmo essencial de uma criança, aberta a todas as novidades do mundo acontecendo a cada instante. Percebeu as flores, as folhas, o calor do sol, o aroma da terra... O semeador continuava perguntando:
- Mangueira, dize-me: é fácil florescer?
A mangueira, carregada de flores, nada respondeu... O semeador continuava suas questões:
- Quantas vezes floresces? Tens amigos? Fala-me, pelo menos, da semente! Como devo semear? Quando devo fazê-lo?
Silêncio.
O guardador de rebanhos estava surpreso com tantas perguntas...
Finalmente o semeador percebeu o guardador de rebanhos. E, para variar, fez-lhe uma pergunta:
- Você crê nisto que está acontecendo?
O guardador respondeu (pois falava a língua dos homens):
- Creio nisto tanto quanto creio no mundo ou num malmequer. Porque o vejo. Mas não penso nele, porque pensar é não compreender... O mundo não se fez para pensarmos nele, mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
O semeador ficou intrigado:
- Mas você não crê nem em Deus? Você não pensa Nele e nos mistérios das coisas todas?
E o guardador respondeu:
“Pensar em Deus é desobedecer a Deus...
Deus quis que não conhecêssemos,
por isso se nos não mostrou...
...
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.”
O semeador estava nervoso, andando de um lado para o outro... Disparou mais uma pergunta:
- Mas o que você é para dizer estas coisas? De onde vêm todos estes pensamentos? Você não quer saber coisas novas? Não quer saber como os frutos são feitos? Como nascem as flores?
O guardador murmurou:
“Sou um guardador de rebanhos
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto.
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz. "
O silêncio que se seguiu foi longo e quase ensurdecedor. O semeador não estava compreendendo o que estava acontecendo. Viu o guardador deitar e estirar-se ao sol. Deitou-se, também. Devagarzinho o calor do sol foi tomando conta do seu corpo. Fechou os olhos. Os pensamentos cruzavam sua mente de forma vertiginosa, a princípio. Mas ele não lhes deu a atenção que lhes dava antes. Apenas os observava, como se eles fossem um rebanho estranho... Eles foram diminuindo, diminuindo... Pararam... Neste momento o semeador abriu os olhos. Olhou para a árvore com a qual esteve tentando conversar, mas não viu a mesma árvore. Sentiu vários aromas, ouviu a sinfonia da floresta e o toque da brisa em seu rosto. Os sentidos estavam em alerta. Sentiu-se também inundado pelo sol, percebendo coisas que nunca havia percebido antes. Não havia mais nenhuma pergunta. Ele "viu" o que o guardador havia lhe dito. Olhou para o lado para compartilhar, mas ele havia desaparecido... Relaxou... Sentiu todo o seu corpo deitado na relva. Soube a verdade e sorriu. Feliz...
Deva (with a big help from Caeiro)