"Não se apresse em acreditar em nada, mesmo se estiver escrito nas escrituras sagradas. Não se apresse em acreditar em nada só porque um professor famoso falou. Não acredite em nada apenas porque a maioria concordou que é a verdade. Não acredite em mim. Você deveria testar qualquer coisa que as pessoas dizem através de sua própria experiência antes de aceitar ou rejeitar algo."
(Siddartha Gautama, Kalama Sutra 17:49)
Como seria se todos seguissem este ensinamento absolutamente perfeito? Talvez ele não fosse mais necessário. Sua atualidade reside exatamente na razão da sua existência. Há o cômodo hábito de tomar por garantido aquilo que é dito por alguém reconhecido, mesmo que este alguém (como Sidharta) alerte para a transitoriedade do que ele mesmo disse e proponha uma verificação individual. Invariavelmente esta investigação é deixada de lado. Parte em função do funcionamento da mente tradicional, parte em função da acomodação à zona de conforto, ao estabelecido, o que dá no mesmo. Há a tendência de aceitar apenas aquilo que faz sentido ao sistema de crenças. Absorve-se apenas aquilo que agrega conhecimento sem desestruturar o construido por anos de uma lavagem mental ao inverso. Obtemos uma quantidade impensável de conhecimento que, utilizado sem lucidez, apenas acumula lixo ao véu de samsara mental. Mantemos e incrementamos um processo de auto-limitação absurda, onde apenas aquilo que faz sentido a este limitado "firewall" mental é liberado para ser digerido.
O que aponta para a sabedoria implícita ao "não sei", para a verificação, para a possibilidade de descontrução do falso é desconsiderado. Não há clareza de perceber que esta rejeição à investigação é originada naquilo que receia ser desmascarado e desconstruido. Neste "fazer vista grossa" à sabedoria do ensinamento, endeusamos imagens, identificamo-nos com uma gama enorme de pensamentos ilusivos e nos fixamos nas estruturas mentais (ou físicas) que ciclicamente os sustentam. Isto é, aliás, a base de todas as estruturas religiosas constituidas e que não apontam para nada que não aumente o seu poder temporal. Há um medo atávico e inconsciente do confronto com a solitude instransferível da investigação individual e direta, que possibilita um vislumbre do eternamente disponível e libertador aqui-agora. Neste contexto, faz todo sentido a dificuldade de entender com toda a profundidade uma frase de Mooji: "é fácil ser o que você é. Difícil é deixar de ser o que você não é".
Love
Deva
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
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Quem vê o que o budha diz? |
domingo, 7 de fevereiro de 2010
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Encontro |
O diálogo, ocorrido ao anoitecer, foi iniciado por um jovem canadense que vestia um Lungi e um fino Kurta (vestuário típico hindu). Disse que tinha vinte e três anos, mas parecia apenas ter saído de sua adolescência. Exibia, em torno do pescoço, uma elegante e pequena cruz de prata em uma delicada corrente. Ele disse que havia encontrado o livro "I Am That" em uma livraria de Mumbai, dois dias atrás. Uma olhada rápida em poucas páginas motivou o desejo de encontrar pessoalmente Maharaj. Ele tinha lido o livro quase continuamente, do meio-dia até à noite, e havia terminado de ler apenas poucas horas atrás. Segue o diálogo:
Maharaj: Você é tão jovem. Desejo saber desde que idade tem estado interessado na busca espiritual.
Visitante: Senhor, desde que recordo tenho estado profundamente interessado no Amor e em Deus; e senti, com intensidade, que eles não são diferentes. Quando eu sento em meditação, freqüentemente...
M: Espere um momento. O que você entende exatamente por meditação?
V: Realmente, não sei. Tudo o que faço é sentar com as pernas cruzadas, fechar meus olhos, e permanecer absolutamente quieto. Sinto meu corpo relaxando, quase se desvanecendo, e minha mente, ou ser ou o que quer que seja, funde-se no espaço, e o processo de pensamento fica gradualmente suspenso.
M: Isto está bem. Por favor, prossiga.
V: Freqüentemente, durante a meditação, um devastador sentimento de amor extático surge em meu coração junto com uma efusão de bem-estar. Eu não sei o que é. Foi durante um de tais momentos de encanto que me senti inspirado a visitar a Índia – e aqui estou.
M: Quanto tempo ficará em Mumbai?
V: Realmente, não sei. Raramente, faço planos. Tenho dinheiro suficiente para viver frugalmente por quinze dias, e tenho minha passagem de retorno.
M: Agora, diga-me, o que exatamente quer saber? Tem alguma pergunta específica?
V: Eu era um homem muito confuso quando desembarquei em Mumbai. Senti que iria perder o juízo. Realmente, não sei o que me levou à livraria, pois não leio muito. No momento que apanhei o primeiro volume de Eu Sou Aquilo, experimentei o mesmo sentimento esmagador que obtinha durante minhas meditações. Conforme fui lendo o livro, um peso parecia estar sendo removido de dentro de mim e, agora que estou sentado aqui diante de você, sinto como se estivesse falando para mim mesmo. E o que estou dizendo para mim mesmo parece blasfêmia. Eu estava convencido que o amor é Deus. Mas agora penso que o amor é, seguramente, um conceito e, se o amor for um conceito, Deus também deve ser um.
M: E o que está errado nisto?
V: (Rindo) Bom, se você coloca isto desta maneira, não tenho nenhum sentimento de culpa em transformar Deus em um conceito.
M: De fato, você disse que Deus é amor. O que você quer dizer com a palavra ‘amor’? Quer dizer ‘amor’ como o oposto de ‘ódio’? Ou alguma outra coisa embora, certamente, nenhuma palavra possa ser adequada para descrever ‘Deus’.
V: Não. Não. Pela palavra ‘amor’, certamente, não me refiro ao oposto de ‘ódio’. Refiro-me àquele amor que é a abstenção da discriminação entre ‘mim’ e o ‘outro’.
M: Em outras palavras, a unidade do ser?
V: Sim, sem dúvida. O que é então o ‘Deus’ a quem eu supunha orar?
M: Falaremos mais tarde sobre a oração. Agora, então, o que exatamente é este ‘Deus’ sobre o qual você está falando? Não é a própria consciência – o sentido de ‘ser’ que se tem – pela qual você é capaz de fazer perguntas? O próprio ‘eu sou’ é Deus. Que é o que você mais ama? Não é este ‘eu sou’, a presença consciente a qual você quer preservar a qualquer custo? A própria busca é Deus. Na busca você descobre que ‘você’ está separado deste complexo corpo-mente. Se você não fosse consciente, o mundo existiria para você? Existiria qualquer idéia de Deus? A consciência em você e a consciência em mim – são diferentes? Não são separadas apenas como conceitos que buscam a unidade não concebida que, por sua vez, não é outra coisa senão amor?
V: Agora entendo o que quer dizer “Deus está mais próximo de mim que eu mesmo.”
M: Lembre, também, não há nenhuma prova da Realidade exceto sê-la. De fato, você é ela, e sempre foi. A consciência cessa com o fim do corpo (e é, portanto, limitada pelo tempo) e, com ela, cessa a dualidade que é a base da consciência e da manifestação.
V: O que, então, é a oração, e qual o seu propósito?
M: A oração, como é geralmente entendida, é somente suplicar por alguma coisa. Mas, na realidade, a oração significa comunhão, união, Ioga.
V: Tudo está tão claro agora, como se um monte de escombros fosse repentinamente lançado fora de meu sistema, apagado da existência.
M: Quer dizer que você agora parece ver tudo claramente?
V: Não. Não! Não ‘parece’. É claro, tão claro que estou assombrado de não ter visto antes. Várias afirmações que li na Bíblia, que pareciam importantes, mas vagas, são agora claras como cristal – declarações como: Antes de Abrahão ser, eu era; Eu e meu pai somos um; Eu sou o que Eu sou.
M: Bem. Agora que você compreendeu, que Sadhana o fará obter a liberação de sua ‘escravidão’?
V: Ah! Maharaj. Agora você está certamente ridicularizando-me. Ou está me testando? Seguramente, agora eu sei que Eu Sou Aquilo – Eu sou, o qual sempre fui e sempre serei. O que resta fazer? Ou desfazer? E quem vai fazer isto? Para que finalidade?
M: Excelente! Apenas seja.
V: Sem dúvida, deverei ser.
Então, o jovem canadense prostrou-se diante de Maharaj – seus olhos cheios de lágrimas de gratidão e alegria. Maharaj perguntou-lhe se iria voltar novamente, e o jovem disse: “Honestamente, eu não sei”. Quando ele saiu, Maharaj sentou por um tempo com os olhos fechados e com o mais doce dos sorrisos em seus lábios. Então disse muito suavemente: “alguém excepcional”; pude apenas entender estas palavras...