quarta-feira, 29 de julho de 2009

Amanhecer

Cevei cuidadosamente o primeiro chimarrão do dia. Era manhã "cedito" e a rua ainda estava repleta de silêncio. O sol ainda não tinha despontado atrás dos prédios e algumas ruelas ainda estavam com aquela luz insegura do amanhecer. Havia muitos dias que o sol andava brilhante e forte, tornando o dia bastante quente. O ar estava limpo. De onde eu estava me sentia como o condor, observando tudo do alto. Dali, as demais montanhas pareciam estar muito próximas. Elas permaneciam indiferentes, sozinhas, despertando um estranho sentimento de proximidade e um vasto senso de distância. Ao olhar para elas me dei conta do paradoxo contido na grande diferença da idade destas montanhas comigo mesmo e sua impermanência relativa. Comparado a elas, meu corpo morreria e elas permaneceriam; as montanhas, as colinas, os campos verdes, o rio... Elas sempre estariam ali, e o que chamo de eu com todas as preocupações, insuficiências e os sofrimentos, desapareceria. Mas, comparadas com a origem, elas tinham o mesmo sentido de impermanência que eu sentia com relação a elas e isso dava o sentido real à esta palavra e um ritmo totalmente musical, numa seqüência que eu intuía ir até a origem de tudo.
Sempre foi essa impermanência que fez o homem buscar algo além das montanhas, revestindo-as com permanência, com divindade, com beleza - algo que não consegue ver em si mesmo. Mas isso não responde suas agonias, não aplaca seu sofrimento ou sentimentos. Pelo contrário, dá vida nova à tudo isso. Os seus deuses, as suas utopias, a sua adoração ao aparente impermanente não acabam com o seu sofrimento, pela total e absoluta impermanência da fonte de sua veneração.
O gavião pousado no pinheiro havia visto o ratinho atravessando a estrada correndo, e num segundo ele foi agarrado e carregado. A morte mais uma vez gerando e mantendo a vida. Havia apenas um som longínquo dos automóveis e de um riacho descendo alguma rua, mas vagarosamente a manhã quieta começava a se perder no barulho incessante do dia que nascia. Ouvia-se um martelar inconstante do outro lado da rua, onde uma nova casa estava sendo construída. Num instante, tudo o que acontecera no local desde o início dos tempos passou perante meus olhos, como um filme de altíssima velocidade. Não fazia diferença onde ele iria parar. Num átimo percebi que o momento de sua parada e recomeço era sempre o mesmo: o eterno agora. Sorvi o último gole do chimarrão, reparei um pouco da erva que havia desabado e lentamente servi outro mate...

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