Shopping Center. Meio da tarde. Cafés lotados. Barulhentos. Encontro casual. Ela conta que estava retornando de um retiro no Tibet. Já estava com saudades. “Aquilo sim era vida!”. Aqui, no barulho da cidade ela parece não saber o que fazer. Estava se sentindo deslocada. “Você precisa ir para lá. Você precisa ir lá e viver o que é possível, real e verdadeiro! Aquilo sim, que é vida! Lá eu me encontrei com a minha verdadeira natureza, com o meu eu interior. Volto para lá assim que possível!”
Interessante... Há a tendência de tentar manter as coisas boas e evitar as consideradas ruins. Apego ao método que aponta ao invés de viver o que está sendo apontado.
Ao comer uma laranja, uso uma faca para descascá-la. Depois de usá-la coloco-a de lado. E como a laranja. A faca cumpriu o seu papel. Qual o sentido de continuar com ela na mão? Ou lembrar a faca quando estiver com fome? Quando vou atravessar um rio, uso um barco. Ao chegar à outra margem eu o deixo. Ele cumpriu o seu papel. Qual o sentido de continuar com ele em terra firme? Ao escrever, palavras são utilizadas numa determinada ordem, para comunicar o que quer que seja. Depois, são largadas. Elas cumpriram o seu papel. Qual o sentido de ficar se lembrando de cada uma delas? Se for preciso apontar a lua, uso o dedo, durante a noite. Apontar o dedo para o céu durante o dia só pode ser útil para apontar o sol. Ou nuvens. Ou pássaros. Ou aviões... O dedo serve para apontar algo. Ele cumpre o seu papel. Qual o sentido de manter o dedo apontado para o alto o dia inteiro?
Quando for o momento de perceber o real e verdadeiro, eventos, retiros, cerimônias ou locais especiais podem ser úteis para apontar e ajudar a perceber. Após, podem ser deixados de lado...
Para viver não é necessário esperar por um tempo e por um lugar, seja lá onde e quando for. Vive-se agora, pois... Não há outro momento para isso!!! É agora. Não precisa ir ao Nepal ou Himalaia. Aqui é suficiente...
Como Alice, o ponto é apenas seguir o coelho... Bem ali. Se não...
Ali...
Se só,
ali
se dá
Ali
Se ali se dá
Só ali se tem
Se ali...
se ali se visse,
como ali se viu
o que ali se tem...
Se ali se olha
Ali se vê
Se ali se vê
ali se acorda.
Ali...
se bem ali...
se só ali
Se é, ali
se é...
Agora!
quinta-feira, 25 de junho de 2009
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About Tibet |
domingo, 21 de junho de 2009
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Espírito da coruja |
Ultimamente estou possuído pelo espírito da coruja. Não falo nem escrevo muito... Em comprensação, presto uma atenção!!! Entre as coisas observáveis estão os vários grupos na Internet. Em várias línguas. A globalização das idéias e conceitos. Uns técnicos. Outros de cunho sociológicos, políticos ou religiosos. Alguns de buscadores espirituais (seja lá o que isso signifique). Em todos, um fio condutor padrão. Apesar das diferenças de linguagem e/ou cultura, o que está por trás de todas as manifestações ali contidas é aquela velha e conhecida figura, onipresente e irreal. Ainda me surpreendo com os truques por ela usados para se manter no controle. Surpreendo-me ainda mais com a falta de sutileza destes truques. Apesar de sutis como um elefante numa loja de cristais e ruidosos como um bando de caturritas não são identificados ou percebidos... Com um pouco de atenção é fácil intuir o porquê disso. O gerador do engano não consegue fazer nada consigo mesmo... É uma espécie de dança dedicada a manter as aparências...
O assunto dos últimos tempos no grupos de buscadores espirituais (às vezes me parece que há um maestro poliglota e brincalhão por trás de tudo o que acontece, regendo as manifestações mais desprovidas de lucidez) é a procura do mestre perfeito. O mestre é tão pessoal, que a partir desta sua idealização – não efetivada – emanam várias manifestações pseudo-maestrinas destes buscadores. É a manutenção da Matrix pelos seus próprios integrantes. Perfeito moto-contínuo!
Sobre isso pensava hoje pela manhã na sala de espera de um aeroporto ao ver circular milhares de potenciais propagadores do engano...
O ponto comum em todos (dentro deste grupo dos buscadores) é a expectativa ou um desejo sobre como deveria ser a figura de um mestre. Tal qual a imagem física de Jesus aceita ao longo dos séculos (imagem aliás que não tem nada a ver com os nativos da região da Galiléia, mas ótima para os filmes) a imagem de um mestre ficou atrelada a imagem dos mais conhecidos (Buda, Papaji, Osho, Mooji, etc).
De qualquer maneira, a função do mestre não é compreendida. Mesmo os cristãos se esquecem que o discipulado está na raiz do cristianismo desde que Jesus de Nazaré reuniu os apóstolos ao seu redor e começou a questionar as suas crenças e dogmas. O fenômeno da orientação espiritual é onipresente em todas as formas de busca que envolva uma verdadeira busca de si mesmo.
A proposta de qualquer mestre verdadeiro é “desconstruir” o (cuidadosamente construído) senso de “realidade” e sistema de crenças individual, uma porta para que se descubra a realidade que se encontra por baixo ou além de todos os sistemas e símbolos. Esse processo de desconstrução, no qual todo o significado é transcendido, assemelha-se à loucura. Por outro lado, este caminho é de uma riqueza inimaginável de descobertas e possibilidades.
A tarefa do mestre, portanto, é apenas facilitar a descoberta da irrealidade da mente pela própria mente. A isso se dá nome de transcendência. Ou qualquer outro nome, na verdade, pois o que menos importa quando isso ocorre é como isso é chamado...
quarta-feira, 17 de junho de 2009
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Zen & Matrix |
Hoje li um ditado Zen e lembrei do filme Matrix. Aparentemente eles não tem muito em comum. Aparentemente...
O ditado:
“No começo as montanhas são montanhas, os rios são rios e as florestas são florestas. No meio, montanhas não são mais montanhas, os rios não são mais rios e as florestas não são mais florestas. Ao final, montanhas são montanhas, rios são rios e as florestas são florestas.”
Parece enigmático, mas não é. O filme Matrix parece ser apenas uma aventura. Também não é.
Matrix é o mundo das aparências. Ela permeia tudo o que acontece ou faz com que aconteça. "Matrix” poderia ser traduzido do sânscrito (três ilusões) apontando para as três ilusões que ocultam a realidade, segundo o hinduísmo: a ilusão física, a ilusão psíquica e a ilusão espiritual. No filme, Neo é um personagem que está inserido na Matrix, como todos os demais. Ou quase todos. Para ele, as montanhas são montanhas, os rios são rios e as colheres são colheres. O coelho ainda não apareceu... Acredita piamente ser o personagem (um hacker muito famoso) que lhe disseram ser. As oportunidades de ver as coisas sob outro prisma aparecem o tempo todo, mas ele ainda ”não está pronto”. Tem medo de dar o salto. É preso pelos agentes da Matrix que lhe injetam um controlador interno...
Mas o acaso ali está, sempre disponível para que se tropece nele. Para Neo, na figura do coelho sonhado, visto “por acaso” nas costas tatuadas de uma moça. E ele o segue. Encontra-se com Trinity, a figura feminina que o leva ao “mestre dos outsiders”, que atende pelo sugestivo nome de Morpheus...
Morpheus lhe dá outra oportunidade (the red pill), mais “radical”. Para ir adiante, precisa coragem. Dar o salto, confiar. Agora ele faz. Engole a “red pill”. E inicia (ou continua) o seu acordar para a realidade além da Matrix...
Tudo se transforma... As montanhas não são mais montanhas, as colheres deixam de ser colheres – até entortam ao serem olhadas. Nem mesmo o seu velho conhecido - o espelho - é real (ele toca num e é por ele envolvido – sua imagem quer devorá-lo...).
Ele renasce/acorda para a sua verdadeira natureza. Se assusta com o que vê. Vacila. Precisa ser “reconstruído”. Ainda não está pronto. “Sabe” que aquilo que ele vivia não era real, mas ainda se surpreende com a perfeição das ruas onde havia “vivido”, mesmo sabendo serem falsas.
Precisa ser treinado para poder usar as suas novas “habilidades” e conhecer os truques, senão será enganado novamente, da mesma forma que antes... Morpheus (seu mestre no momento) é vital. As provas são colocadas, uma a uma. Ele supera um a um os limites impostos ou sugeridos.
Chega a hora de voltar para a Matrix (ou market place?) para a prova derradeira, o confronto com a própria Matrix, representada pelo seu principal agente, Smith. Neste confronto ele ”morre” com um tiro (que ele acredita ser real). Ou seria uma bastonada do mestre Zen?? O personagem se foi. E aquilo que ele realmente é (motivado pelo amor de uma mulher – é um filme americano) é “chamado” a se expressar. Definitivamente. Renasce. E “vê” as coisas como realmente são: no filme, números (bits) em sequência – representação do lado esquerdo do cérebro. Ele não se engana mais. As balas não são reais, assim como os agentes da Matrix. Ele está além das aparências. Transcendeu-as, apenas sendo o que sempre foi. Sua verdadeira natureza transcende naturalmente as aparências.
A partir daí, ele volta para o mundo. Usa a estrutura toda. Sabe que não é real, mas ele a usa, pois é onde as coisas parecem acontecer, o único local onde a linguagem tem algum valor. As montanhas voltam a ser montanhas, as colheres voltam a ser colheres. Dentro da Matrix. Ele sabe disso. Não se engana mais...
terça-feira, 16 de junho de 2009
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A Lucidez Perigosa |
Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.
Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço.
Além do que:que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.
Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.
Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.
Clarice Lispector
sexta-feira, 12 de junho de 2009
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Buda em pele de mendigo |
P: Você foi um homem-fogo nos Temazcais da Priya e do Haroldo, mas o que diz questiona o Caminho Vermelho. Os caminhantes não gostam o que você diz. Onde isso leva?
R: Onde você quer ir? Veja sob este ponto de vista: questões estão sendo levantadas, questões que confrontam o sistema de crenças construído em torno do “Caminho Vermelho”. E o confronto incomoda! Há muito investimento nesta opção de busca. É muito longo esse caminho para descobrir a si mesmo... Homem-fogo, homem-pipa, homem-criança, homem-doutor, homem-sei-lá-o-que... São apenas nomes... O que isso importa?
O Temazcal pode ser uma ferramenta a apontar para a Verdade, como um satsang, ou uma fonte de mal-entendidos atrás do véu de Maya. Depende de quem o conduz...
É tudo muito simples! A proposta do Temazcal no Arupa é responder a pergunta fundamental: quem sou eu? No escuro profundo onde os limites do corpo desaparecem são feitas as perguntas que podem lhe ajudar a esclarecer... Não é necessário uma inteligência sofisticada ou uma imaginação muito criativa... Basta relaxar e perceber que o quer que seja feito, o que quer que seja pensado ou imaginado, é sempre observado... Se pode ser observado, é um objeto. Quem é o Sujeito? Quem é essa observação silenciosa e pacífica?
Paz, tranqüilidade, graça... Qualquer destas sensações são criações do mecanismo corpo/mente... são pensamentos acontecendo... Isso que você é não pode ser nada que você possa criar, pegar, sentir, cheirar ou experimentar de qualquer forma... Você não pode ser experimentado! Isso lhe tranqüiliza?
Todas experiências são apenas manifestações daquilo que Você é... Isso amedronta? Este vislumbre talvez faça com que o medo aconteça. Medo acontece no falso ao se perceber... falso!
Não se divida! Enquanto estiver buscando estará dividido entre quem busca e o que é buscado. E não importa quão bela seja a imagem daquilo que você idealiza e busca, você não encontrará. Caso encontre, não pode ser Você!
Você precisa entender que você só “encontra” objetos, todo o tempo! Objetos podem ter sua existência provada. Objetos podem ser observados, medidos... Você, não!
Há um medo inconsciente por trás desta busca insana. Você cria a idéia de que se você realmente acordar para a sua verdadeira natureza você virará um maluco... Um maluco beleza... “Buda era um cara legal, mas nos dias de hoje ele seria um mendigo”... Então, a notícia que tenho para lhe dar é que você já é um mendigo, agora. Você é um Buda em pele de mendigo, uma espécie de “mecanismo búdico” mendigando bênçãos búdicas... Agora!
Não peço que você acredite nisso, pois você estaria repetindo tudo o que fez até agora. Peço que você pesquise, que você pergunte, teste... e que você descubra por você mesmo aquilo que você já é, Agora! Arrisque-se! O que você tem a perder?
segunda-feira, 8 de junho de 2009
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Transcendência |
Quando ouvimos a palavra transcender, o que nos vêm a mente? Pouco se lê e pouco se ouve sobre o significado da transcendência. Por que será? Entre outras coisas porque fomos ensinados a tomar como certo tudo o que nós é dito. A lógica das certezas nos é transmitida de geração em geração sem muitos questionamentos. Pais e professores raramente cumprem com uma das mais nobres missões: a missão de instigar a dúvida, a pesquisa, o descobrir por si mesmo. Isso é considerado muito perigoso, principalmente num mundo de mentiras, manipulações e hipocrisia. O descobrir por si mesmo gera questionamentos e questionamentos confrontam conceitos e crenças dominantes.
Transcendência: pode significar ir além. A pergunta imediata (que não é feita) é: ir além do que, exatamente? Somente um poeta saberia dizer, da forma como Rumi o fez:
Quero fugir a cem léguas da razão,
Quero da presença do bem e do mal me liberar,
Detrás do véu existe tanta beleza: lá está meu ser,
Quero me enamorar de mim mesmo, ó vós que não sabeis!
Rumi mostra a porta. Como se liberar do bem e do mal a não ser transcendendo estes conceitos? E como transcender estes conceitos se não for “fugindo a cem léguas da razão”, aquela razão que classifica tudo o que passa sob o véu que transforma o intangível no aparentemente tangível? E como fugir a cem léguas da razão se não for naquele exato momento em que “me enamoro de mim mesmo”? E como me enamorar de algo impossível de conhecer a não ser transcendendo o conhecer que o conceito de enamorar traz embutido?
terça-feira, 2 de junho de 2009
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Vã tentativa |
"A vida do ser humano é uma tentativa vã de não ser ele mesmo, assim como uma busca infrutífera por algo que nunca foi perdido."
(Deva)