P: Tenho medo do que, então?
Beloved,
O que é o medo se não um pensamento do qual não gostamos? Ou do qual temos medo? A questão não é o pensamento em si, mas a credibilidade a ele atribuida. Gostamos de pensamentos bons, que geram sentimentos considerados bons. Não gostamos de pensamentos ruins que geram sentimentos desagradáveis. Mas o substrato do qual eles são compostos(se algum) é o mesmo. Nos apegamos aos sentimentos bons e queremos que os ruins passem depressa. Ou não venham. Este fazer algo a respeito é o que os validam. Temos medo do medo. Essa espiral é que o torna tão "poderoso".
Algumas coisas precisam ser percebidas. Em primeiro lugar, pensamentos nascem. E morrem. A todo momento. A mente é uma antena receptora do ambiente que a cerca. Todos os sentidos são suas fontes de informação, matéria prima para mais pensamentos. Além disso ela é uma classificadora automática de pensamentos, baseada nas informações obtidas e armazenadas no passado. Bom, ruim, bonito, feio. Acreditamos neste julgamento (um pensamento) sem questioná-lo. Ele origina a rejeição ao que é feio ou ruim. E o gostar do que é bonito ou bom. Com atenção poderemos perceber que nada podemos fazer com os sentimentos bons. Eles vêm e vão. Somem. O mesmo com os ruins. Na verdade tudo vem e vai! Há uma impermanência constante na dualidade. Nada pode ser feito a este respeito. Nada! O medo acontece. E desacontece. Se nada for feito ele desaparece de onde veio. Se algo for feito ele permanece um pouco mais. Mas desaparece da mesma forma. A aceitação do sentimento o dissolve. Somente a aceitação. Lutar contra dá vida ao que não tem vida em si mesmo. A não aceitação nos torna ocupados e ansiosos gestores de pensamentos. A aceitação nos torna testemunhas de tudo o que acontece e desacontece. A não aceitação é um fazer da mente. A aceitação apenas é. Sempre.
Love
Deva
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
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Medo do que? |
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
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O guardador e o semeador |
O guardador de rebanhos saiu a passear. O dia estava muito lindo e ele andava pelas estradas, olhando para a direita e para a esquerda. De vez em quando, olhando para trás... Via, a cada momento, coisas que nunca havia visto antes. Viu um homem aproximar-se de uma árvore com flores e perguntar:
- Mangueira diga-me, por que floresces? E a mangueira não respondeu ao homem (era um semeador).
“Mangueira não fala a língua dos homens”, pensou o guardador. Mas não disse nada, pois tinha o pasmo essencial de uma criança, aberta a todas as novidades do mundo acontecendo a cada instante. Percebeu as flores, as folhas, o calor do sol, o aroma da terra... O semeador continuava perguntando:
- Mangueira, dize-me: é fácil florescer?
A mangueira, carregada de flores, nada respondeu... O semeador continuava suas questões:
- Quantas vezes floresces? Tens amigos? Fala-me, pelo menos, da semente! Como devo semear? Quando devo fazê-lo?
Silêncio.
O guardador de rebanhos estava surpreso com tantas perguntas...
Finalmente o semeador percebeu o guardador de rebanhos. E, para variar, fez-lhe uma pergunta:
- Você crê nisto que está acontecendo?
O guardador respondeu (pois falava a língua dos homens):
- Creio nisto tanto quanto creio no mundo ou num malmequer. Porque o vejo. Mas não penso nele, porque pensar é não compreender... O mundo não se fez para pensarmos nele, mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
O semeador ficou intrigado:
- Mas você não crê nem em Deus? Você não pensa Nele e nos mistérios das coisas todas?
E o guardador respondeu:
“Pensar em Deus é desobedecer a Deus...
Deus quis que não conhecêssemos,
por isso se nos não mostrou...
...
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.”
O semeador estava nervoso, andando de um lado para o outro... Disparou mais uma pergunta:
- Mas o que você é para dizer estas coisas? De onde vêm todos estes pensamentos? Você não quer saber coisas novas? Não quer saber como os frutos são feitos? Como nascem as flores?
O guardador murmurou:
“Sou um guardador de rebanhos
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto.
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz. "
O silêncio que se seguiu foi longo e quase ensurdecedor. O semeador não estava compreendendo o que estava acontecendo. Viu o guardador deitar e estirar-se ao sol. Deitou-se, também. Devagarzinho o calor do sol foi tomando conta do seu corpo. Fechou os olhos. Os pensamentos cruzavam sua mente de forma vertiginosa, a princípio. Mas ele não lhes deu a atenção que lhes dava antes. Apenas os observava, como se eles fossem um rebanho estranho... Eles foram diminuindo, diminuindo... Pararam... Neste momento o semeador abriu os olhos. Olhou para a árvore com a qual esteve tentando conversar, mas não viu a mesma árvore. Sentiu vários aromas, ouviu a sinfonia da floresta e o toque da brisa em seu rosto. Os sentidos estavam em alerta. Sentiu-se também inundado pelo sol, percebendo coisas que nunca havia percebido antes. Não havia mais nenhuma pergunta. Ele "viu" o que o guardador havia lhe dito. Olhou para o lado para compartilhar, mas ele havia desaparecido... Relaxou... Sentiu todo o seu corpo deitado na relva. Soube a verdade e sorriu. Feliz...
Deva (with a big help from Caeiro)
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
domingo, 4 de outubro de 2009
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Iluminação, uma meta??? |
O que é iluminação e como atingi-la?
Iluminação, tal como você colocou é uma meta a ser obtida. No mundo da dualidade, para saber se uma meta foi atingida, alguns parâmetros são suficientes para confirmar sua obtenção. Numa escalada, por exemplo, você sabe aonde quer chegar. Há mapas daqueles que já a escalaram, fotos de satélites, GPS e coisas do gênero. De posse deles, você define sua estratégia e começa aventura. E num determinado momento, chega ao topo da montanha. Este era o objetivo e você o atingiu. E ali está você, pronto para a fotografia. Ali está a prova do seu sucesso, visível, clara, objetiva. Você sabe que chegou ao topo. Há a montanha e você. Você desce e ela continua lá, a espera que outros aventureiros a escalem.
Mas iluminação não pertence à dualidade.Não é uma meta. Não pode ser. Se fosse, já teríamos mapas definindo como obtê-la. Mas não há mapas. Há apenas um desejo, vindo não se sabe de onde a lhe empurrar. Há uma enorme insatisfação com a forma como as coisas são percebidas, como se “isso” não fosse suficiente, ou como se “isso” não o satisfizesse. Eis o começo da busca acontecendo. Ele tem um pouco de loucura embutido, pois você não sabe exatamente o que quer. Sabe o que não quer mais. E se atira em busca de algo diferente. É algo ao mesmo tempo lindo e incompreensível...
Não há indicadores de obtenção para a iluminação, ou pela interpretação dúbia do seu significado ou pelo desconhecimento do que está sendo buscado...
Não sabemos exatamente o que buscar. Para dar algum sentido ao movimento que acontece, dizemos (às vezes) que estamos buscando a felicidade, ou a liberdade. Em ambos está embutido o sentido de liberação do “status quo”. Sidharta Gautama, há milhares de anos atrás, contrariou este sentido comum. Ele usou a palavra Nirvana em substituição a ”moksha” (liberação). Seu significado (literal) é “apagar a vela” ou “chama sendo apagada”. Budha colocou as coisas em seus devidos lugares, pois “moksha” (liberação) dá o sentido de ser alcançada por quem a busca, algo que deixa rastros. Nirvana, por sua vez, dá o sentido exato, pois mostra que não há um atingimento, merecimento nem algo a ser liberado, mas simplesmente a extinção de todas as idéias (chama) do que isso poderia ser. E a extinção de todas as idéias elimina todos os mapas. Sobra apenas aquilo que é, sempre, aquilo que ele (Sidharta) chamou de “caminho do meio”, o eterno agora.
Love
Deva
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
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Expectativa & barco |
"... você tem uma série interminável de idéias sobre as coisas. Você acha cruel quando um puma mata um filhote de alce para se alimentar. Você pensa que todos os pássaros deveriam se abrigar da neve do inverno, pois um grande número deles acaba morrendo. Você gostaria que as pessoas tratassem as outras de uma forma mais delicada... Você julga que a vida é injusta, pois uns tem mais riquezas do que outros... Você gostaria que seus líderes fossem mais bondosos e ajudassem os desprovidos e não os poderosos. Talvez você não perceba, mas a sua vida inteira tem sido um julgamento das coisas ao seu redor. Tenha paciência e observe! Veja que a sua vida é um constante esperar que as coisas aconteçam à sua maneira, de acordo com a sua visão de mundo. Esta visão, por mais ampla que você a imagine é limitada. E não é sua, de fato! É por isso que digo que você é desatento. Você não integra as coisas que acontecem à sua volta! A vida não acontece para satisfazer os seus ideais, nem os ideais de ninguém. A vida não tem nenhuma idéia. Ela simplesmente acontece. A todo momento. Portanto, deste ponto de vista, ter expectativas é como esperar um barco no meio do deserto..."
(White Goose)
terça-feira, 1 de setembro de 2009
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Conhecimento mortal |
A sociedade onde vivemos valoriza muito o conhecimento. É considerado um grande tesouro, que durante anos é buscado e acumulado. Mas, ou por não ocupar um espaço físico determinado ou por alguma outra razão, sua obtenção parece não satisfazer aquilo que o obtém... A idéia inicial que gerou a sua procura permanece intacta. A busca por mais conteúdo é contínua, ininterrupta... Mesmo com toda a acumulação há uma sensação de que alguma coisa está faltando, algo incompreensível em si. É uma espécie de vício. Quanto mais conteúdo é “consumido”, mais coisas diferentes e exóticas são lidas, mais continua a sensação de não estar vendo o essencial, aquilo que realmente vai preencher ou saciar.
Perfeito!
Conhecimento é obter uma visão de mundo através olhos dos outros, que por sua vez o obtiveram dos outros e assim sucessivamente... Algo como ver através de um vidro sujo! Isso é o que o conhecimento é: algo percebido através de um olho de vidro! Não se pode “ver” o essencial, a origem. É impossível, pois Isso é algo existencial, individual e intransferível! Não é engraçado isso? Todas as conclusões que tivemos até hoje foram baseadas no que vimos através de algo opaco, turvo! Todas as cores, todos os matizes, toda a maravilhosa beleza intrínseca da natureza que nos circunda e daquilo que permite a natureza expressar-se... E é isso que fazemos ao longo de toda a vida, desde a mais tenra idade...
Todo esse desejo de saber mais e mais... Olhamos mas não observamos profundamente as coisas que estão acontecendo ao redor. Comparamos o que vemos com o conteúdo da mente que por sua vez foi obtido da mesma forma, numa espiral teórica e finita. E mais uma idéia é criada, como se fora a fonte de toda a vida... Sabemos de tudo, mas experimentamos verdadeiramente pouco, muito pouco!
Isso se inicia na infância... Toda criança é lentamente envenenada pelo conhecimento... São lentamente distraídas da sua inocência, da sua curiosidade, do seu não-saber, da inteligência original. Crenças são impostas como verdade e toda a força de sua natural confiança e ilimitada inocência fazem com que elas acreditem no artificial, no falso que está sendo transmitido. Talvez por isso elas pouco a pouco se tornem tão tristes. Toda a alegria, todo o êxtase de viver o desconhecido, o novo é esquecida em troca do conhecido. Pouco a pouco elas ficam iguais à multidão adormecida que as rodeia. A isso chamamos “educação”. O momento máximo desta corrida insana é o momento em que uma criança está perfeitamente condicionada, obediente e sem capacidade de pensar por si mesma. Dizemos então que ela está perfeitamente educada. Pronta para ser utilizada pela sociedade de consumo. Ficamos satisfeitos e orgulhosos em saber que ela foi iniciada nas crenças dos seus pais, sem perceber que tudo aquilo que fizemos foi destruir a capacidade delas saberem por si mesmas. Destruímos a sua autenticidade, a sua preciosa inocência. Fechamos suas portas e janelas. Agora elas viverão totalmente protegidas, cercadas por todos os tipos de teorias estúpidas, sistemas de pensamento, filosofias, ideologias e crenças. Elas estarão perdidas em uma selva de palavras e conhecimentos e não poderão sair facilmente disto. O resultado disso tudo? Olhe-se num espelho, honestamente, e você verá...
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
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Seekers or finders? |
O ser humano tem em sua composição genética o desejo pela felicidade, pela paz duradoura e da compreensão dos mistérios da vida. Alguns investem sua vida para obter tal "estado". Sua busca tem início num momento de desespero, onde as coisas parecem não se encaixar em mais nada do que ele considera como parâmetros adequados a uma vida ideal. Este talvez seja o melhor momento de olhar para o que está acontecendo com um olhar investigativo, fazendo uma perguntinha básica: quem está insatisfeito? Quem está sentindo este desespero? Quem percebe estes sentimentos? Eu sou isto que se desespera ou sou algo que transcende todos os sentimentos, bons ou ruins? O que significa transcender? O que é a paz? Quem, de fato, sou eu?
A assim chamada busca espiritual é iniciada sem estas respostas e sem saber o que está na verdade sendo buscado. Alguns falam em busca da verdade, outros em busca da felicidade, outros em busca da paz, outros querem um contato real e imediato com sua essência. Se olharmos com um mínimo de cuidado e percebermos que não sabemos exatamente o que estamos buscando, começaremos a entender que esta busca tem uma dose de insanidade - vital para que ela se inicie - mas há também um desejo associado e inconfesso de não encontrar o que estamos procurando. Ou porque o encontro seria o fim da busca e o encerramento da razão de viver do personagem-buscador ou talvez, apenas talvez, aquilo que orienta e "organiza" a busca saiba de alguma maneira que o encontro pode ser o seu desmascaramento, a sua morte - mesmo que seja a morte de uma mentira... Então o boicote inconsciente acontece. De uma forma sutil, esperta e sorrateira. As perguntas corretas estão postas. A resposta está disponível todo o tempo. Mas o encontro efetivo e definitivo com a resposta não acontece. Por que? Dentro deste boicote que "atrapalha a investigação" estão todas as ações que fazemos na busca pela pacificação: terapias, grupos, encontros, meditações de todas as cores e matizes... São todas infrutíferas por uma razão bem simples: elas são focadas naquilo que pensamos ser. Mas não somos. Sem a profunda compreensão do que verdadeiramente somos – aqui a transcendência - nos consideramos meramente como entidades corpo-mente, adormecidos para a nossa natureza mais profunda e real. Esta visão limitada e obscurantista nos deixa enredados num mundo de culpa, medo e conflitos – um estado que denominamos infelicidade - características fundamentais da mente não-esclarecida. A procura pela resposta à pergunta correta é o detergente que remove a sujeira da ignorância e do mal-entendido causados por esta identificação equivocada. Ela não é a resposta em si, mas funciona como combustível para que um fogo muito especial comece a ser percebido. O convite é começar a ter mais intimidade e relaxar neste fogo. Um fogo que tem um poder especial. Ele queima apenas aquilo que não é verdade, aquilo que é imaginado. Mas fique tranqüilo. Ele não pode queimar você, por uma razão muito simples: ele é você.
(Deva)
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
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Housekeeper |
(White Goose)
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
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Just relax... |
"...alguma vez na sua vida você poderia tentar deixar que as coisas acontecessem sem tentar interferir? Sente-se aqui, debaixo deste carvalho. Escolha uma posição confortável. Confortável? Olhe para a imensidão dos nosso campos. Lindo, não? Olhe os pássaros voando de galho em galho, os búfalos pastando ao longe, a natureza simplesmente acontecendo... Você gostaria de estar integrado com toda esta beleza, não é mesmo?
...
...
fique apenas observando o fluxo destas coisas. Apenas observe. Não tente entender ou mesmo criticar o que acontece. Não se preocupe com o tempo, pois ele não é importante neste momento.
...
...
Você vai começar a perceber pouco a pouco uma sensação diferente, como se uma energia começasse a fluir através do seu corpo. Uma sensação de estar participando, uma integração com o que está acontecendo.
...
...
Relaxe nisso...
...
...
Agora preste atenção! Perceba que nada mudou a seu redor. Sua posição frente ao que acontece não mudou.
...
E vem a primeira revelação: você sempre esteve integrado! Seu corpo é parte inseparável do fluxo que está observando acontecer, apenas não percebia. Usufrua um pouco dessa sensação gostosa. Tome seu tempo para isso...
...
...
Um pouquinho mais...
...
o foco das coisas externas a você se desvanece pouco a pouco e você começa a olhar para dentro...
...
...
... você começa a perder a referência daquilo que observa, daquilo que está do lado de fora...
...
...
você sabe que as coisas estão ali, mas os limites, as fronteiras se desvanecem...
...
...
Permaneça relaxado, pois é exatamente isso que olhar para dentro significa: não olhar para lugar nenhum e para tudo ao mesmo tempo. Perceba a inexistência de limites ou fronteiras para esta observação! Esse é o momento em que as portas da sua casa se mostram. Onde sempre estiveram, aliás...
...
...
Não dá nem para pedir para você entrar... Não é mesmo?
...
...
Benvindo..."
quarta-feira, 29 de julho de 2009
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Amanhecer |
Cevei cuidadosamente o primeiro chimarrão do dia. Era manhã "cedito" e a rua ainda estava repleta de silêncio. O sol ainda não tinha despontado atrás dos prédios e algumas ruelas ainda estavam com aquela luz insegura do amanhecer. Havia muitos dias que o sol andava brilhante e forte, tornando o dia bastante quente. O ar estava limpo. De onde eu estava me sentia como o condor, observando tudo do alto. Dali, as demais montanhas pareciam estar muito próximas. Elas permaneciam indiferentes, sozinhas, despertando um estranho sentimento de proximidade e um vasto senso de distância. Ao olhar para elas me dei conta do paradoxo contido na grande diferença da idade destas montanhas comigo mesmo e sua impermanência relativa. Comparado a elas, meu corpo morreria e elas permaneceriam; as montanhas, as colinas, os campos verdes, o rio... Elas sempre estariam ali, e o que chamo de eu com todas as preocupações, insuficiências e os sofrimentos, desapareceria. Mas, comparadas com a origem, elas tinham o mesmo sentido de impermanência que eu sentia com relação a elas e isso dava o sentido real à esta palavra e um ritmo totalmente musical, numa seqüência que eu intuía ir até a origem de tudo.
Sempre foi essa impermanência que fez o homem buscar algo além das montanhas, revestindo-as com permanência, com divindade, com beleza - algo que não consegue ver em si mesmo. Mas isso não responde suas agonias, não aplaca seu sofrimento ou sentimentos. Pelo contrário, dá vida nova à tudo isso. Os seus deuses, as suas utopias, a sua adoração ao aparente impermanente não acabam com o seu sofrimento, pela total e absoluta impermanência da fonte de sua veneração.
O gavião pousado no pinheiro havia visto o ratinho atravessando a estrada correndo, e num segundo ele foi agarrado e carregado. A morte mais uma vez gerando e mantendo a vida. Havia apenas um som longínquo dos automóveis e de um riacho descendo alguma rua, mas vagarosamente a manhã quieta começava a se perder no barulho incessante do dia que nascia. Ouvia-se um martelar inconstante do outro lado da rua, onde uma nova casa estava sendo construída. Num instante, tudo o que acontecera no local desde o início dos tempos passou perante meus olhos, como um filme de altíssima velocidade. Não fazia diferença onde ele iria parar. Num átimo percebi que o momento de sua parada e recomeço era sempre o mesmo: o eterno agora. Sorvi o último gole do chimarrão, reparei um pouco da erva que havia desabado e lentamente servi outro mate...
terça-feira, 14 de julho de 2009
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Busca & escalada |
A busca espiritual é paradoxal. Ao mesmo tempo simples e complexa. Exige um esforço e dedicação supremos (na obtenção de resultados imaginados ou desejados) enquanto ao mesmo tempo, aquilo que está sendo buscado está presente nas coisas mais singelas. Cada ação das formas e dos objetos pode ser considerada uma flecha a apontar para a Unidade por trás dos mesmos ou um véu a separar o buscador daquilo que está sendo buscado. Seu início acontece quase sempre em momentos de desespero, sua obtenção sendo o bálsamo a curar todas as dores. Não há lógica. Não pode haver. Qualquer coisa pode ser usada como ponto de partida: um texto, uma foto, uma conversa... Nada mais do que isso. Nenhum mapa. Apenas uma intuição cega a guiar o buscador.
Por outro lado, a realização (se há algo como tal) é algo que ao “acontecer” não deixa rastros. Não há como ser repetida nem mesmo por quem “realizou”. Não há mapas, métodos ou regras. Paradoxalmente, não há como atingi-la sem um. Como disse Bayazid AL-Bistami: “Deus não pode ser obtido a partir de alguma busca, mas somente aqueles que buscam O encontram”.
Assistindo uma reportagem sobre escalada de grandes montanhas ouvi uma frase de um dos alpinistas que descreve com perfeição a assim chamada realização ou o “entendimento” definitivo. Ele estava descrevendo em detalhes todas as intempéries pelas quais havia passado, o esforço quase sobre-humano dos últimos dias e, ao narrar os últimos metros da escalada – os mais difíceis – disse (ou eu entendi desta forma): “o incrível é que o topo não se revela. Você está ali, a poucos metros dele, exausto,sem forças, a ponto de desistir. Na verdade, você desistiu. Mas continua, sem saber mais nem como nem por que. Quando você vê, não há mais nada na sua frente. Naquele breve instante você apenas percebe que não há nada entre você e todo o resto... É apenas isso!”
Absolutamente perfeito! Não vi nenhuma descrição mais perfeita do que essa...
quinta-feira, 9 de julho de 2009
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Love In |
Há uns dias em que você acorda apaixonado. As cores do mundo percebido são mais vivas. Mais claras. Não há nenhuma distinção entre qualquer um dos eventos acontecendo na exuberante e envolvente natureza. O banho matinal, o café da manhã, dar comida aos cachorros, ver os cavalos galopando pela mangueira, o beija-flor ensandecido bicando todas as flores possíveis, os sabiás cantando a plenos pulmões como se a vida fosse acabar naquele exato momento, o neto acordando e exigindo atenção plena – como se fosse possível não prestar atenção a um furacão - tudo é uma coisa só, num continuum perfeito e indissolúvel. Hora de sair de casa. Até a música no CD player do carro tem a ver com o que é percebido, e isso parece ser tão óbvio que você tem ganas de dançar. E você dança agarrado no volante do carro - condição básica e necessária para não sair voando - sob os olhares sonolentos dos outros motoristas.
It’s something unattainable (*)
That you can’t live without
Você para o carro numa sinaleira. Na margem do asfalto à sua frente uma senhora descalça pega um tijolo e desenha quadros imaginários no chão. Subitamente, como se atingida pela mesma epifania na qual você está envolvido, ela sai correndo, pulando e dançando, como se uma energia insuportável tomasse conta de seu corpo. Uma lufada de compreensão e cumplicidade toma conta de você. E você sorri. Ela rola no chão, gargalhando. E você continua sorrindo...
And now the unexplainable
Has you riddled with doubt.
De repente, do nada, surgem três grandalhões vestidos de branco, correndo atrás do seu alter-ego dançante. Agarram-na com violência e a arrastam para uma caminhonete branca.
Things begin
Things decay
And you’ve gotta find a way
To be ok
Tudo o que começa tem que terminar... Mas você procura por uma forma de manter a linda cena matinal. Você olha para os lados tentando ver uma onda de indignação das pessoas que observam a violenta cena, mas nada acontece. Um ar de satisfação nos rostos de todos parece aprovar o acontecido, como se aquilo que os incomodava tivesse sido afastado. Isso parece assombrar a sua surpresa.
But it you want to spend the day
Wond’ring what it’s all about
Go and knock yourself out
Você tenta imaginar o que há de errado com a cena, mas não ocorre nada. Ao ver os três trogloditas olhando para o carro parado no sinal verde uma grande dúvida lhe assalta: será que eles eram “caçadores de êxtase”?
Why were put in this mess
Is anybody’s guess
It might be a test
Será que isso era um teste de sanidade? Você sente a mesma sensação de um elefante ao ser interrompido em sua corrida desenfreada dentro de uma loja de cristais. Aquilo estava mesmo acontecendo?
or it might not be anything
You need to worry about
But if you’re still in doubt
Go and knock yourself out
Você fecha os olhos por um momento. Ao ouvir uma estridente buzina, reabre-os. A cena que estava à sua frente havia mudado. O dia continuava ensolarado. A dançarina e os trogloditas haviam sumido. A música havia terminado. Apesar da mudança aparente, alguma coisa continua lhe envolvendo. Uma nova música começava e também parecia fazer sentido:
Is it getting better (**)
Or do you feel the same?
Will it make it easier on you now
You got someone to blame?
You say
One love, one life
When it's one need
In the night
One love
We get to share it
It leaves you, darling
If you don't care for it
OK.
Lembra da dançarina aprisionada. Junto com a lembrança vem a certeza que ela também havia percebido algo que não a deixaria mais, independente do que lhe fosse feito... Sorri novamente e segue em frente.
(*) - Jon Brion - Knock yourself out (Trilha do filme Huckabees)
(**) - One - Johnny Cash
domingo, 5 de julho de 2009
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Mastering |
Há no ocidente uma expectativa exagerada dos buscadores a respeito da figura de um mestre. Maestria não faz parte da nossa cultura e apenas nos são repassados relatos, fotos, gravuras, sonhos e devaneios. São exatamente estas idéias que impedem a percepção da maestria acontecendo. Numa lógica da mente, se o objeto não corresponde ao idealizado, ou desejado, ele é imediatamente descartado. Não é claro que alguém que se enquadre à qualquer demanda não possa ser um Mestre. Pode ser um “pop star”, um galã de novelas ou um artista de cinema...
A Maestria verdadeira é desconhecida. Temos padres, professores, psicólogos, psiquiatras e toda uma gama de ”past driven minds”. Mas não há mecanismos para identificar um Mestre verdadeiro...
Na presença de um Mestre você não fica incólume. Ou se entrega definitivamente, algo raro, ou resiste, critica e agride...
Na relação professor/aluno há uma transmissão de conhecimento. Na relação Mestre/discípulo não há nenhuma transmissão. Ou melhor, há uma “transmissão especial”, que só é possível com a desconstrução total do complexo mental construído ao longo dos anos. Com o abandono do conhecido. Isso é algo inadmissível para aquela construção que tenta manter o controle.
A relação mestre/discípulo é uma relação rara. Ela não é baseada no conhecido, na atração química ou no amor. É inexplicável como a origem dos pensamentos e insana como a mais doce loucura infantil. É baseada na confiança que emana do Amor.
O professor sabe sobre todas as coisas conhecidas. Sabe até sobre Deus e ministra longas aulas sobre o assunto.
O Mestre apenas é. Não sabe das coisas, pois não percebe nenhuma divisão entre elas. Ele apenas tenta lhe mostrar o que você é através de si mesmo. Mas ele também “sabe” que Isto é algo que não pode ser aprendido. Nem transmitido. Talvez seja esta a razão do sorriso enigmático das imagens de Buda. Talvez seja esta a razão da sua extrema compaixão. Pois paradoxalmente, não há relacionamento entre Mestre e discípulo. O Mestre sabe disso. O discípulo, não.
quinta-feira, 25 de junho de 2009
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About Tibet |
Shopping Center. Meio da tarde. Cafés lotados. Barulhentos. Encontro casual. Ela conta que estava retornando de um retiro no Tibet. Já estava com saudades. “Aquilo sim era vida!”. Aqui, no barulho da cidade ela parece não saber o que fazer. Estava se sentindo deslocada. “Você precisa ir para lá. Você precisa ir lá e viver o que é possível, real e verdadeiro! Aquilo sim, que é vida! Lá eu me encontrei com a minha verdadeira natureza, com o meu eu interior. Volto para lá assim que possível!”
Interessante... Há a tendência de tentar manter as coisas boas e evitar as consideradas ruins. Apego ao método que aponta ao invés de viver o que está sendo apontado.
Ao comer uma laranja, uso uma faca para descascá-la. Depois de usá-la coloco-a de lado. E como a laranja. A faca cumpriu o seu papel. Qual o sentido de continuar com ela na mão? Ou lembrar a faca quando estiver com fome? Quando vou atravessar um rio, uso um barco. Ao chegar à outra margem eu o deixo. Ele cumpriu o seu papel. Qual o sentido de continuar com ele em terra firme? Ao escrever, palavras são utilizadas numa determinada ordem, para comunicar o que quer que seja. Depois, são largadas. Elas cumpriram o seu papel. Qual o sentido de ficar se lembrando de cada uma delas? Se for preciso apontar a lua, uso o dedo, durante a noite. Apontar o dedo para o céu durante o dia só pode ser útil para apontar o sol. Ou nuvens. Ou pássaros. Ou aviões... O dedo serve para apontar algo. Ele cumpre o seu papel. Qual o sentido de manter o dedo apontado para o alto o dia inteiro?
Quando for o momento de perceber o real e verdadeiro, eventos, retiros, cerimônias ou locais especiais podem ser úteis para apontar e ajudar a perceber. Após, podem ser deixados de lado...
Para viver não é necessário esperar por um tempo e por um lugar, seja lá onde e quando for. Vive-se agora, pois... Não há outro momento para isso!!! É agora. Não precisa ir ao Nepal ou Himalaia. Aqui é suficiente...
Como Alice, o ponto é apenas seguir o coelho... Bem ali. Se não...
Ali...
Se só,
ali
se dá
Ali
Se ali se dá
Só ali se tem
Se ali...
se ali se visse,
como ali se viu
o que ali se tem...
Se ali se olha
Ali se vê
Se ali se vê
ali se acorda.
Ali...
se bem ali...
se só ali
Se é, ali
se é...
Agora!
domingo, 21 de junho de 2009
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Espírito da coruja |
Ultimamente estou possuído pelo espírito da coruja. Não falo nem escrevo muito... Em comprensação, presto uma atenção!!! Entre as coisas observáveis estão os vários grupos na Internet. Em várias línguas. A globalização das idéias e conceitos. Uns técnicos. Outros de cunho sociológicos, políticos ou religiosos. Alguns de buscadores espirituais (seja lá o que isso signifique). Em todos, um fio condutor padrão. Apesar das diferenças de linguagem e/ou cultura, o que está por trás de todas as manifestações ali contidas é aquela velha e conhecida figura, onipresente e irreal. Ainda me surpreendo com os truques por ela usados para se manter no controle. Surpreendo-me ainda mais com a falta de sutileza destes truques. Apesar de sutis como um elefante numa loja de cristais e ruidosos como um bando de caturritas não são identificados ou percebidos... Com um pouco de atenção é fácil intuir o porquê disso. O gerador do engano não consegue fazer nada consigo mesmo... É uma espécie de dança dedicada a manter as aparências...
O assunto dos últimos tempos no grupos de buscadores espirituais (às vezes me parece que há um maestro poliglota e brincalhão por trás de tudo o que acontece, regendo as manifestações mais desprovidas de lucidez) é a procura do mestre perfeito. O mestre é tão pessoal, que a partir desta sua idealização – não efetivada – emanam várias manifestações pseudo-maestrinas destes buscadores. É a manutenção da Matrix pelos seus próprios integrantes. Perfeito moto-contínuo!
Sobre isso pensava hoje pela manhã na sala de espera de um aeroporto ao ver circular milhares de potenciais propagadores do engano...
O ponto comum em todos (dentro deste grupo dos buscadores) é a expectativa ou um desejo sobre como deveria ser a figura de um mestre. Tal qual a imagem física de Jesus aceita ao longo dos séculos (imagem aliás que não tem nada a ver com os nativos da região da Galiléia, mas ótima para os filmes) a imagem de um mestre ficou atrelada a imagem dos mais conhecidos (Buda, Papaji, Osho, Mooji, etc).
De qualquer maneira, a função do mestre não é compreendida. Mesmo os cristãos se esquecem que o discipulado está na raiz do cristianismo desde que Jesus de Nazaré reuniu os apóstolos ao seu redor e começou a questionar as suas crenças e dogmas. O fenômeno da orientação espiritual é onipresente em todas as formas de busca que envolva uma verdadeira busca de si mesmo.
A proposta de qualquer mestre verdadeiro é “desconstruir” o (cuidadosamente construído) senso de “realidade” e sistema de crenças individual, uma porta para que se descubra a realidade que se encontra por baixo ou além de todos os sistemas e símbolos. Esse processo de desconstrução, no qual todo o significado é transcendido, assemelha-se à loucura. Por outro lado, este caminho é de uma riqueza inimaginável de descobertas e possibilidades.
A tarefa do mestre, portanto, é apenas facilitar a descoberta da irrealidade da mente pela própria mente. A isso se dá nome de transcendência. Ou qualquer outro nome, na verdade, pois o que menos importa quando isso ocorre é como isso é chamado...
quarta-feira, 17 de junho de 2009
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Zen & Matrix |
Hoje li um ditado Zen e lembrei do filme Matrix. Aparentemente eles não tem muito em comum. Aparentemente...
O ditado:
“No começo as montanhas são montanhas, os rios são rios e as florestas são florestas. No meio, montanhas não são mais montanhas, os rios não são mais rios e as florestas não são mais florestas. Ao final, montanhas são montanhas, rios são rios e as florestas são florestas.”
Parece enigmático, mas não é. O filme Matrix parece ser apenas uma aventura. Também não é.
Matrix é o mundo das aparências. Ela permeia tudo o que acontece ou faz com que aconteça. "Matrix” poderia ser traduzido do sânscrito (três ilusões) apontando para as três ilusões que ocultam a realidade, segundo o hinduísmo: a ilusão física, a ilusão psíquica e a ilusão espiritual. No filme, Neo é um personagem que está inserido na Matrix, como todos os demais. Ou quase todos. Para ele, as montanhas são montanhas, os rios são rios e as colheres são colheres. O coelho ainda não apareceu... Acredita piamente ser o personagem (um hacker muito famoso) que lhe disseram ser. As oportunidades de ver as coisas sob outro prisma aparecem o tempo todo, mas ele ainda ”não está pronto”. Tem medo de dar o salto. É preso pelos agentes da Matrix que lhe injetam um controlador interno...
Mas o acaso ali está, sempre disponível para que se tropece nele. Para Neo, na figura do coelho sonhado, visto “por acaso” nas costas tatuadas de uma moça. E ele o segue. Encontra-se com Trinity, a figura feminina que o leva ao “mestre dos outsiders”, que atende pelo sugestivo nome de Morpheus...
Morpheus lhe dá outra oportunidade (the red pill), mais “radical”. Para ir adiante, precisa coragem. Dar o salto, confiar. Agora ele faz. Engole a “red pill”. E inicia (ou continua) o seu acordar para a realidade além da Matrix...
Tudo se transforma... As montanhas não são mais montanhas, as colheres deixam de ser colheres – até entortam ao serem olhadas. Nem mesmo o seu velho conhecido - o espelho - é real (ele toca num e é por ele envolvido – sua imagem quer devorá-lo...).
Ele renasce/acorda para a sua verdadeira natureza. Se assusta com o que vê. Vacila. Precisa ser “reconstruído”. Ainda não está pronto. “Sabe” que aquilo que ele vivia não era real, mas ainda se surpreende com a perfeição das ruas onde havia “vivido”, mesmo sabendo serem falsas.
Precisa ser treinado para poder usar as suas novas “habilidades” e conhecer os truques, senão será enganado novamente, da mesma forma que antes... Morpheus (seu mestre no momento) é vital. As provas são colocadas, uma a uma. Ele supera um a um os limites impostos ou sugeridos.
Chega a hora de voltar para a Matrix (ou market place?) para a prova derradeira, o confronto com a própria Matrix, representada pelo seu principal agente, Smith. Neste confronto ele ”morre” com um tiro (que ele acredita ser real). Ou seria uma bastonada do mestre Zen?? O personagem se foi. E aquilo que ele realmente é (motivado pelo amor de uma mulher – é um filme americano) é “chamado” a se expressar. Definitivamente. Renasce. E “vê” as coisas como realmente são: no filme, números (bits) em sequência – representação do lado esquerdo do cérebro. Ele não se engana mais. As balas não são reais, assim como os agentes da Matrix. Ele está além das aparências. Transcendeu-as, apenas sendo o que sempre foi. Sua verdadeira natureza transcende naturalmente as aparências.
A partir daí, ele volta para o mundo. Usa a estrutura toda. Sabe que não é real, mas ele a usa, pois é onde as coisas parecem acontecer, o único local onde a linguagem tem algum valor. As montanhas voltam a ser montanhas, as colheres voltam a ser colheres. Dentro da Matrix. Ele sabe disso. Não se engana mais...
terça-feira, 16 de junho de 2009
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A Lucidez Perigosa |
Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.
Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço.
Além do que:que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.
Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.
Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.
Clarice Lispector
sexta-feira, 12 de junho de 2009
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Buda em pele de mendigo |
P: Você foi um homem-fogo nos Temazcais da Priya e do Haroldo, mas o que diz questiona o Caminho Vermelho. Os caminhantes não gostam o que você diz. Onde isso leva?
R: Onde você quer ir? Veja sob este ponto de vista: questões estão sendo levantadas, questões que confrontam o sistema de crenças construído em torno do “Caminho Vermelho”. E o confronto incomoda! Há muito investimento nesta opção de busca. É muito longo esse caminho para descobrir a si mesmo... Homem-fogo, homem-pipa, homem-criança, homem-doutor, homem-sei-lá-o-que... São apenas nomes... O que isso importa?
O Temazcal pode ser uma ferramenta a apontar para a Verdade, como um satsang, ou uma fonte de mal-entendidos atrás do véu de Maya. Depende de quem o conduz...
É tudo muito simples! A proposta do Temazcal no Arupa é responder a pergunta fundamental: quem sou eu? No escuro profundo onde os limites do corpo desaparecem são feitas as perguntas que podem lhe ajudar a esclarecer... Não é necessário uma inteligência sofisticada ou uma imaginação muito criativa... Basta relaxar e perceber que o quer que seja feito, o que quer que seja pensado ou imaginado, é sempre observado... Se pode ser observado, é um objeto. Quem é o Sujeito? Quem é essa observação silenciosa e pacífica?
Paz, tranqüilidade, graça... Qualquer destas sensações são criações do mecanismo corpo/mente... são pensamentos acontecendo... Isso que você é não pode ser nada que você possa criar, pegar, sentir, cheirar ou experimentar de qualquer forma... Você não pode ser experimentado! Isso lhe tranqüiliza?
Todas experiências são apenas manifestações daquilo que Você é... Isso amedronta? Este vislumbre talvez faça com que o medo aconteça. Medo acontece no falso ao se perceber... falso!
Não se divida! Enquanto estiver buscando estará dividido entre quem busca e o que é buscado. E não importa quão bela seja a imagem daquilo que você idealiza e busca, você não encontrará. Caso encontre, não pode ser Você!
Você precisa entender que você só “encontra” objetos, todo o tempo! Objetos podem ter sua existência provada. Objetos podem ser observados, medidos... Você, não!
Há um medo inconsciente por trás desta busca insana. Você cria a idéia de que se você realmente acordar para a sua verdadeira natureza você virará um maluco... Um maluco beleza... “Buda era um cara legal, mas nos dias de hoje ele seria um mendigo”... Então, a notícia que tenho para lhe dar é que você já é um mendigo, agora. Você é um Buda em pele de mendigo, uma espécie de “mecanismo búdico” mendigando bênçãos búdicas... Agora!
Não peço que você acredite nisso, pois você estaria repetindo tudo o que fez até agora. Peço que você pesquise, que você pergunte, teste... e que você descubra por você mesmo aquilo que você já é, Agora! Arrisque-se! O que você tem a perder?
segunda-feira, 8 de junho de 2009
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Transcendência |
Quando ouvimos a palavra transcender, o que nos vêm a mente? Pouco se lê e pouco se ouve sobre o significado da transcendência. Por que será? Entre outras coisas porque fomos ensinados a tomar como certo tudo o que nós é dito. A lógica das certezas nos é transmitida de geração em geração sem muitos questionamentos. Pais e professores raramente cumprem com uma das mais nobres missões: a missão de instigar a dúvida, a pesquisa, o descobrir por si mesmo. Isso é considerado muito perigoso, principalmente num mundo de mentiras, manipulações e hipocrisia. O descobrir por si mesmo gera questionamentos e questionamentos confrontam conceitos e crenças dominantes.
Transcendência: pode significar ir além. A pergunta imediata (que não é feita) é: ir além do que, exatamente? Somente um poeta saberia dizer, da forma como Rumi o fez:
Quero fugir a cem léguas da razão,
Quero da presença do bem e do mal me liberar,
Detrás do véu existe tanta beleza: lá está meu ser,
Quero me enamorar de mim mesmo, ó vós que não sabeis!
Rumi mostra a porta. Como se liberar do bem e do mal a não ser transcendendo estes conceitos? E como transcender estes conceitos se não for “fugindo a cem léguas da razão”, aquela razão que classifica tudo o que passa sob o véu que transforma o intangível no aparentemente tangível? E como fugir a cem léguas da razão se não for naquele exato momento em que “me enamoro de mim mesmo”? E como me enamorar de algo impossível de conhecer a não ser transcendendo o conhecer que o conceito de enamorar traz embutido?
terça-feira, 2 de junho de 2009
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Vã tentativa |
"A vida do ser humano é uma tentativa vã de não ser ele mesmo, assim como uma busca infrutífera por algo que nunca foi perdido."
(Deva)
quarta-feira, 27 de maio de 2009
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Got it!! |
Quando você diz: "entendi!" acabou de definir o momento em que perdeu o ponto. O momento em que você diz "isso eu já sabia" é quando você explicita que aquilo que você sabia não serve para absolutamente nada exceto ser conteúdo de sua mente limitada. E o conteúdo de sua mente não pode ser... Aquilo! O momento em que você tenta explicar o seu "nível de espiritualidade" é o momento que você define que está perdido. Aproveite este momento e sente-se com um mestre. Não um mestre imaginado, um mestre convenientemente distante ou algum que já tenha morrido. Mas uma presença! Não é necessária nenhuma explicação prévia do que isso seja. Você saberá. Basta sentar desarmado e “deixar” que o silêncio flua. Nada mais é necessário. Enquanto isso não acontecer você continuará tentando provar que nada disso é necessário. Apenas perceba que tentar provar que algo não é necessário define exatamente a sua necessidade...
(Deva)
terça-feira, 26 de maio de 2009
domingo, 24 de maio de 2009
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Nenhum método funciona |
Osho escreveu sobre tudo. Em seus satsangs ele respondia perguntas de buscadores de todo o mundo. Estes buscadores vinham fazer terapias na sua comuna, em Poona (Índia). Ficavam processando indefinidamente os “problemas” e não olhavam para onde ele apontava. Ouviam o que ele dizia, mas davam às suas palavras um significado pessoal. Um dia ele respondeu a uma pergunta sobre os métodos de terapia que eram usados. A resposta foi extremamente compassiva, amorosa, precisa, direta e reta. As usual...
"Nós usamos métodos, porque há pessoas como você que precisam de métodos, que não podem simplesmente ir com a realidade, que apenas podem ir pelo caminho difícil. Se você diz para eles sentarem silenciosamente, eles não entendem isso. Eles dizem: "Apenas sentar silenciosamente ? Alguma coisa acontece apenas por sentar silenciosamente ?” Eles não podem sentar silenciosamente - e tudo acontece somente quando você senta silenciosamente.
Sentado silenciosamente
nada fazendo
a primavera vem
e a grama cresce por si mesma...
Essa é a derradeira verdade. Mas você não pode deixa-la crescer. Você diz: “Eu não posso apenas sentar e deixar a grama crescer - eu tenho que puxar a grama!"
Então eu digo: "Ok. Então faça alguma coisa. Faça kundalini, salte, grite. Ou se você não se sente bem o bastante, então faça meditação dinâmica. Ou se você tem alguns karmas a sofrer, então vá para o Encounter..."
Esses métodos são usados aqui apenas por causa de sua estupidez. Toda a sua função é para deixar você cansado de fazer, que um dia você vem a mim e diz: "Osho, posso sentar silenciosamente ?"
Eis tudo. Eu vou mandando você para os grupos e meditações e torturas, e vou esperando...
Algum dia você chegará chorando e magoado e dirá: "É o bastante! Não posso sentar silenciosamente??
Eu direi: "Tenho estado esperando por este momento".
Sentado silenciosamente
nada fazendo
a primavera vem
e a grama cresce por si mesma...
Nenhum método ajuda. Como pode um método ajudar? Um método pode ajudar a criar algo não-natural. A Natureza não precisa ser criada. Ela já está aqui. Ela tem de ser vivida, dançada, cantada. Você não precisa fazer qualquer coisa! A grama já está crescendo. Você tem muita impaciência. Essa impaciência precisa de métodos.
Eu tenho tornado todos os tipos de métodos disponíveis aqui, todos os tipos de bobagens que você pode encontrar em qualquer lugar no mundo.
Eu dou a você métodos, não porque através dos métodos você se tornará iluminado, mas porque através dos métodos você verá o quão estúpido é - e isso já é uma grande iluminação!
OSHO - (TAKE IT EASY- Vol I)
sábado, 23 de maio de 2009
sexta-feira, 22 de maio de 2009
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Descaminhos |
Pergunta:
Deva, como seria traduzir Awareness na frase: There is one Awareness, one Consciousness, one energy, one Existence. If you don't hear this in everything I say, you're not hearing me yet?
Para mim, Consciousness é consciência, que pode se referir a ter consciência sobre o lugar em que estamos (sentidos alertas) ou a consciência de si mesmo (entendimento de que estamos vivos). Mas não dá pra transformar em "ter a consciência pesada" em "to have a heavy conciousness" por exemplo. Neste caso seria "to feel guilty" (sentir-se culpado). Awareness pode ser: consciência, reconhecimento, realização, entendimento, insight, apreciação, familiaridade, apreensão, compreensão, aprendizado formal... ufa! Há que se ligar no Espírito para conseguir realizar o que o sujeito quer dizer de acordo com o momento.”
Resposta:
Caro, traduzir a frase não significa entende-la. E entende-la não significa integrá-la. Integração não é um movimento de quem entendeu. Ela simplesmente acontece...
Não importa o que significa a frase, pois ela está solta e fora de contexto, sendo impossível saber o que o emissor estava querendo dizer. Pinçando palavras isoladas, Consciousness seria o Sujeito de que falamos anteriormente, aquele onde todos os objetos acontecem. Mas não é um sujeito, de fato. Não pode ser, esta é apenas uma forma de apontar. Que necessariamente tem que ser “dropada” em algum momento. A frase fala em um de cada (one Awareness, one Consciousness, one energy, one Existence) como se acontecessem em separado (ou ao mesmo tempo, o que dá no mesmo). Ele mistura alhos e bugalhos e vários "ones"... Mistura "Aquilo" com seus "atributos"... É muito, mas muito mais simples do que isso (e talvez por isso, tão difícil de ser aceito). Fico com o Nisargadatta Maharaj: “Consciousness is all there Is”. Isso não simplifica? Talvez sim. Talvez não. Mas todo o resto são variações sobre o tema.
Poderia dizer que "consciousness" é totalmente diferente de "Consciousness". Uma ("c") se refere a consciência mental ou aquela corporal (espaço onde estamos ou o império dos sentidos), algo que o emissor da frase propõe melhorar em seus trabalhos (ele não criou o bodywork?). A outra ("C") não se refere a absolutamente nada e não pode ser percebida por nenhum sentido. Nem melhorada! E é tudo que é. A consciência depende de entendimento e esclarecimento. A Consciência não precisa nem depende de absolutamente nada. Ela já é.
Em "awareness" não há nenhum "Eu verdadeiro" para ser encontrado, pois... quem o encontraria?
Aqui em Arupa apontamos para isso, usando algumas ferramentas. Eventualmente o Temazcal. Mas ele é apenas uma ferramenta. Melhor? Pior? Nem melhor nem pior. Não é um fim em si. Como a meditação, por exemplo. Ele aponta para uma pergunta, a única pergunta que merece ser feita: "quem sou eu?". E a resposta à esta pergunta não está onde você pensa que está. Nem pode ser obtida por aquilo que pensa. Este é o paradoxo. Não há caminho nenhum que te leve a um lugar diferente do que você está, agora. Nem vermelho, nem de nenhuma cor. E é com isso que "temos" que lidar. Não há fórmulas. Não há regras. Não há estrutura. O que quer que seja que sugira um processo para obter algo está fadado ao insucesso. Há um salto a ser dado. E este salto é para fora do conhecido. Para dentro do desconhecido. Osho falava em "salto quântico". Perfeito! Não é um aprendizado. É um total e absoluto “des-aprendizado”. Enquanto isso não "acontecer", quem procura/busca vai continuar fazendo vista grossa e postergando seu acordar, trilhando apenas caminhos conhecidos. Arupa é exatamente o oposto. É o total e absoluto descaminho. A resposta não é encontrada ao final de nenhum caminho. Nem no meio. Ou no início. Você não é nenhum caminho, aliás. E não há nenhum mapa que leve até você. Você nem mesmo é aquilo que está buscando... : )
quinta-feira, 21 de maio de 2009
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Parafraseando Douglas Adams |
"existe uma teoria que diz que, se um dia alguém descobrir exatamente de onde vêm os pensamentos, desaparecerá instantaneamente e será substituído por um... pensamento, ou então por algo ainda mais estranho e inexplicável...
Existe uma segunda teoria diz que isso já aconteceu... : )
quarta-feira, 20 de maio de 2009
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Emptiness |
A necessidade do reconhecimento é uma das características básicas da relação discípulo-mestre. Ela mostra basicamente que o discípulo não está pronto. Se estiver, isso não mais importa, pois há a percepção de que não há quem reconheça nem ninguém para ser reconhecido...
Há uma estória atribuída a Bodhidharma, sobre isso:
“Uma vez um discípulo veio a Bodhidarma e disse:
- Mestre, você me disse para estar vazio. Agora eu me tornei vazio. O que mais você me diz?”
Bodhidarma bateu forte com seu bastão na sua cabeça e disse:
- Vá e jogue fora este seu vazio!”
Poder de síntese, não? Se alguém diz “eu estou vazio” o “eu” está ali e o “eu” não pode ser vazio, pois vazio é a ausência de qualquer “eu”. Vazio não pode ser reivindicado! Não há como dizer ”eu estou vazio”. Não há como o vazio reivindicar a vacuidade! O dizer nasce do sentir e o sentir dá nascimento ao ego. É uma espiral, novamente e novamente. Na verdade, o ego sempre quer ser especial. Ser especial é uma das suas armadilhas. Nesta armadilha caem os discípulos que vêm seu mestre como o melhor de todos, defendendo essa idéia com a própria vida. Ou os discípulos que consideram a si mesmos especiais, entre todos os demais discípulos. De comum um fato: a discipularidade.
Então, ser vazio, mas não pensar que é vazio. Ser qualquer coisa, mas não pensar que é qualquer coisa. Apenas ser, algo realmente especial e difícil... -J
(Deva)
terça-feira, 19 de maio de 2009
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Por que poetar? |
Uma vez alguém me falou sobre poesias, admirado por alguém fazer algo tão inútil. Pior: como alguém poderia gostar de algo tão sem utilidade prática? Na época não respondi, por não ter nenhum argumento contra. Na verdade hoje ainda não tenho nada contra esta “tese” discorrida com a veemência típica de quem não está entendendo nada e não quer demonstrar sua total e absoluta ignorância...
Sob o ponto de vista prático não há nenhuma utilidade para um poema. Pelo menos até ler Alberto Caeiro. Ou Walt Whitman. Experimente! Neste primeiro contato você é fisgado. Pode não perceber, mas se sente definitivamente conectado com algo inimaginável. Como sempre esteve, aliás...
Um poeta é um inútil total. Ele usa e abusa desta sua inutilidade para expressar o inexprimível. Usa e abusa de seu desconforto com o estar poeta. Ele não gosta disso, por uma razão simples: o poeta (pelo menos um como Caeiro) é a expressão da dualidade. Não há como ser diferente, pois ele só nasce na separação. A experiência (melhor seria a não-experiência) dele com aquilo que ele tenta descrever elimina-o completamente. Ele sabe que não há como olhar uma paisagem linda, por não haver separação entre os dois. Ele e a paisagem são um, ou melhor não há paisagem. Nem ele, tampouco. Para descrever isso com palavras, há que aparecer o poeta, há que acontecer a separação. Nesta separação ele tenta expressar, compartilhando sua experiência com os outros. Sofre com a limitação das palavras. Pesquisa termos, espreme, condensa, reescreve... E eis mais um poema parido.
Isso é algo absolutamente inútil. A transmissão não acontece. Experiência alguma, por mais simples que seja é compartilhada. Ela é única. Individual. Indivisível e inexprimível. Eis porque poetas são a expressão do conflito. Pelo menos aqueles que se consideram poetas ou que acham que devem dizer alguma coisa especial. Aqueles, que como Caeiro e Whitman sabem de sua inutilidade e de sua incompetência absoluta apenas brincam com as palavras. E se divertem... E nesta diversão nos presenteiam com pérolas maravilhosas.
quinta-feira, 14 de maio de 2009
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Sat-Neto |
Hoje pela manhã falei com Gabito (neto de dois anos) ao telefone. Ele perguntou se eu ia buscá-lo para ir para o sítio. Eu respondi que não estava em Porto Alegre e que "amanhã" eu iria buscá-lo. Não foi necessário o silêncio do outro lado da linha para que eu percebesse a inutilidade do que foi dito. Para uma criança, amanhã é um tempo inatingível. Outro lugar que não aquele onde está agora é algo inimaginável. Ele apenas percebeu um grande ”não”. E desligou o telefone...
Conversar com uma criança é uma grande viagem a “Nowhere land”...
Fiquei imaginando como dizer a ele o que seria o tempo. Fisicamente o tempo é a “distância” entre dois instantes. É simples. Einsten disse uma vez que o tempo presente era aquele breve instante que separa o passado do futuro. E que matemáticamente o presente era a confluência de todo o passado e de todo o futuro. Ou seja, o momento que representava tudo o que já havia existido e tudo o que iria existir.
Mas, o que é o passado? E o que é o futuro?
Lembrei-me do Gabito e imaginei que respostas ele daria a estas duas perguntas. Talvez ele dissesse, baseando-se no único momento que ele percebe que o ”passado não é mais” e o futuro “não é ainda”. Não sei. Coisas de avô, pois crianças não lidam com o abstrato. Acho que ele ficaria me olhando por um instante apenas e logo voltaria a brincar...
Confiando no Gabito, isso significaria que passado e futuro são dois eventos que não existem. São no mínimo dois eventos não observáveis. Se não são observáveis (e tomando por garantido que apenas o que é observável existe para o Gabito) este dois eventos – passado e futuro - não são reais. O que seria a confluência de dois eventos não reais, então? Como o tempo (enquanto evento) pode existir se é impossível a sua observação?
Gabito não usa toda esta lógica. Crianças não usam toda esta parafernália colocada a disposição do homem adulto. Mas ele sabe. Apenas sabe. E apenas age de acordo. Ele é a expressão d’Aquilo que todos buscam ao entrar num mosteiro Zen, por exemplo, na busca pela paz e pela felicidade. Apenas responde ao que está posto. E nisso está a expressão da paz, mesmo quando está dando uns cascudos no seu irmão menor... :)
A resposta está nas crianças, numa frase dita há séculos: “deixai vir a mim as criancinhas, elas são o reino dos céus”.
Gabito, gracias!
Love
Deva
quarta-feira, 13 de maio de 2009
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O que é, o que é??? |
O que é? O que é?
Auto-evidente.
Não há quem, através de um fazer, possa obter. Nem perder, portanto.
É sua natureza original.
Não é uma aparecência. Nem uma des-aparecência.
Não é uma entidade ou um objeto na sua consciência.
Aquilo que você pensa ser é um objeto que aparece e desaparece nela.
Não há como pensar, definir, enquadrar ou limitar.
Onde pensamentos desaparecem, fica totalmente clara e evidente, mas não é obscurecida por nenhum.
Onde você não é, é. Onde Você é, é.
É pano de fundo para todo e qualquer evento, mas não é representada por nenhum evento.
Love
Deva (joking a little)
terça-feira, 12 de maio de 2009
segunda-feira, 11 de maio de 2009
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Heaven |
O humor inglês é diferenciado e tem doses variadas de inteligência, sutileza e ironia.
A tradução (como sempre) é livre.
Mas procura manter a eloqüência original...
O original está logo a seguir.
Love
Deva
Céu
Os peixes
(saturados de moscas, alto verão, vadiando na tarde molhada)
Meditam sabedorias, obscuras ou claras
Em cada segredo "peixoso" de medo ou esperança.
Dizem: eles têm seu Riacho e seu Lago;
Mas... haverá algo Além?
Esta vida não pode ser Tudo, juram,
Se fosse... que desagradável!!
Não duvide, que de alguma maneira,
o Bem deve vir da Água e do Lodo;
E com certeza o olhar reverente verá
Um propósito na Liquiditude
Misteriosamente (soturnamente?!?) sabemos, com fé rogamos
O futuro não é o Seco Absoluto
Do lodo ao lodo! -- A Morte se acerca --
Não é aqui o Final, não aqui!
Mas em algum lugar, além do Tempo e do Espaço,
A água é mais molhada, o limo é mais limoso!
E lá (confiavam) estava Aquele nadador,
Que nadou onde os rios nasceram,
Imenso, corpo e mente peixais,
Escamoso, onipotente e bom;
E sob a Barbatana todo-poderosa,
Os peixinhos menores se protegem.
Oh! jamais a mosca dissimula um anzol,
dizem os peixes no Riacho Eterno,
mais do que ervas comuns estão por lá
E lodo, celestialmente justo (*);
Gordas lagartas flutuam,
Larvas do paraiso são encontradas
Mariposas eternas, moscas imortais
E o verme que nunca morre.
E neste Ceu desejado por todos,
Terra não haverá, dizem os peixes.
(*) - pode ser abundante (celestialmente justo)
(Rupert Brooke)
Heaven
Fish (fly-replete, in depth of June,
Dawdling away their wat'ry noon)
Ponder deep wisdom, dark or clear,
Each secret fishy hope or fear.
Fish say, they have their Stream and Pond;
But is there anything Beyond?
This life cannot be All, they swear,
For how unpleasant, if it were!
One may not doubt that, somehow, Good
Shall come of Water and of Mud;
And, sure, the reverent eye must see
A Purpose in Liquidity.
We darkly know, by Faith we cry,
The future is not Wholly Dry.
Mud unto mud! -- - Death eddies near -- -
Not here the appointed End, not here!
But somewhere, beyond Space and Time.
Is wetter water, slimier slime!
And there (they trust) there swimmeth One
Who swam ere rivers were begun,
Immense, of fishy form and mind,
Squamous, omnipotent, and kind;
And under that Almighty Fin,
The littlest fish may enter in.
Oh! never fly conceals a hook,
Fish say, in the Eternal Brook,
But more than mundane weeds are there,
And mud, celestially fair;
Fat caterpillars drift around,
And Paradisal grubs are found;
Unfading moths, immortal flies,
And the worm that never dies.
And in that Heaven of all their wish,
There shall be no more land, say fish.
(Rupert Brooke)
domingo, 10 de maio de 2009
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Palavras |
"A rede de peixe existe por causa do peixe;
uma vez que pegar o peixe, esqueça a rede.
A armadilha para coelhos existe para pegar o coelho;
uma vez que o pegá-lo, esqueça a armadilha.
As palavras existem pelo sentido;
uma vez que conseguir o sentido, esqueça a palavra.
Onde posso encontrar um homem que esqueceu as palavras,
para que possa trocar uma palavra com ele?"
(Zhuang Zi)
sábado, 9 de maio de 2009
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Limites Imaginários |
De tanto ouvir falar sobre liberdade ficamos empenhados na sua obtenção. Este aparente empenho é louvável em essência, mas superficial. Ele aparece até em propagandas de produtos, mostrando o quão maravilhosa seria uma vida com liberdade – desde que usemos o tal produto que ela alardeia, é claro – mostrada com lindas imagens em ação. Não percebemos que apenas estamos nos enganchando em mais uma prisão. É fácil de entender porque esta prisão não é percebida com clareza. Algo físico é mais palpável: alguém preso numa cela. Cá estamos do lado de fora olhando o preso lá dentro, com seus movimentos tolhidos. Isto pode ser visto e entendido... Mesmo que a diferença seja apenas o lado em que estamos e o tamanho da prisão...
Da mesma forma que o preso na cela, estamos absolutamente presos numa cela imaginária. Presos a idéias e a conceitos. Assumimos como verdadeiro, desde cedo, tudo o que os “arautos da liberdade” – pais, padres, professores e terapeutas - nos disseram. “Faça isso, não faça aquilo e você obterá a desejada liberdade”. E acreditamos, sem questionar, que estamos em regime prisional e que precisamos nos libertar.
E aqui estamos nós enrolados na armadilha mental. Mas se olhamos com carinho vemos que em primeiro lugar pais, padres, professores e terapeutas apontam para qualquer coisa menos liberdade, pois não sabem. Em segundo lugar, você não sabe! Há um ruído na comunicação entre o que é definido como liberdade e o que você entende, algo como cegos guiando surdos. Há uma tensão (irreal) entre conceitos, entre idéias. Não há uma vivência direta. Não pode haver, pois o próprio desejo de liberdade mostra um profundo mal-entendido, uma névoa que o separa da liberdade derradeira.
Em outras palavras, você está preso na armadilha da busca da liberdade. Você está limitado por conceitos. Esta limitação é que produz o desejo de ser livre. Um conceito gerando outro numa orgia reprodutiva sem fim.
Para sair desta “roda de Samsara”, algo precisa ser investigado: quem sente-se preso? Quem se identifica como prisioneiro? Quem percebe o prisioneiro? Investigar respondendo estas questões talvez seja a chave para eliminar os mal-entendidos e viver diretamente o “sujeito” absolutamente livre de todas as idéias de como as coisas deveriam ser...
Esta clareza também elimina a armadilha da divisão, que gera continuamente até mesmo todos os “nós” e “eles” descritos acima...
(Deva)
sexta-feira, 8 de maio de 2009
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Songs of myself |
Segue uma tradução livre. Havia sublinhado alguns trechos que considero marcantes.
Vi em seguida que quase todo o poema estava sublinhado... -::))
Traduzir Walt Whitman é uma viagem em todos os sentidos que isso possa ter.
Estrofe 20
Quem é que vai por aí ansioso, vulgar, místico, nu?
Como é que eu tiro energia da carne que como?
O que é um homem, enfim?
O que eu sou?
O que você é?
Tudo o que eu digo que é meu, você pode equilibrar dizendo que é seu...
De outro modo, escutar-me seria perder tempo.
Não ando pelo mundo a lastimar o que o mundo já lastima em demasia:
que os meses sejam um vácuo e o chão lama e podridão.
A gemer e acovardar-se, coberto de farinha para inválidos,
o conformismo pode ficar bem para os de quarta categoria;
Eu ponho o meu chapéu como bem quero, dentro ou fora da casa.
Por que iria eu rezar?
Por que haveria eu de me curvar e fazer rapapés?
Tendo até os íntimo investigado,
analisado até um fio de cabelo,
consultado doutores e feito os cálculos apropriados,
eu não encontro gordura mais doce
do que a inserida em meus próprios ossos.
Em toda pessoa eu vejo a mim mesmo,
nem mais nem menos um grão de mostarda,
e o bem ou mal que falo de mim mesmo
falo dela também.
Sei que sou sólido e são,
para mim num permanente fluir
convergem os objetos do universo;
todos estão escritos para mim
e eu tenho de saber o que significa, o que está escrito.
Sei que sou imortal,
sei que esta minha órbita não pode ser traçada
pelo compasso de um carpinteiro qualquer.
Sei que não passarei assim, como uma verruga de criança
que à noite se remove com um alfinete flambado.
Eu sei que sou majestoso,
não vou perturbar a paz para mostrar quanto valho
ou para ser compreendido: tenho visto que as leis elementares jamais pedem desculpas.
(Reconheço que, afinal de contas, não considero meu orgulho mais do que considero a minha casa.)
Existo como sou, isso é o que basta:
se ninguém mais no mundo despertar,
eu me sento contente;
e se cada um e todos despertarem,
eu contente me sento.
Existe um mundo desperto,
e este é o maior para mim: o mundo de mim mesmo.
Se a mim mesmo eu chegar hoje,
daqui a dez mil ou dez milhões de anos,
posso alcançá-lo agora bem-disposto
ou posso bem-disposto esperar mais.
O lugar de meus pés está assentado em granito:
rio-me do que dizem ser dissolução
E conheço a amplitude do tempo...
(Walt Whitman)
quinta-feira, 7 de maio de 2009
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Momentos ou Instantes? |
Há um tempo em que temos certeza de quem somos.
Há um instante em que temos a clareza desta incerteza...
Há um tempo em que buscamos por coisas interessantes.
Há um instante em que percebemos que a busca nada tem a dar...
Há um tempo em que tentamos manter as coisas boas rejeitando as ruins.
Há um instante em que percebemos o quão efêmeras são e quão tolos somos em acreditar na permanência...
Há um tempo em que temos uma noção do que somos.
Há um instante em que percebemos não ter a menor idéia do que isso seja...
Há um tempo em que fazemos coisas sem pensar e estas são maravilhosas.
Há um tempo em que fazemos coisas pensando e elas se mostram as piores.
Há um instante em que percebemos que cada coisa que acontece é perfeita, em si...
Há um tempo em que tentamos escrever e somos interrompidos.
Há um instante em que percebemos o fluxo constante...
Há um tempo em que pensamos que a inspiração se foi.
Há um instante em que percebemos que inspiração não vai, nem vem...
Há um tempo em que temos que parar com o que estamos fazendo.
Há um instante em que percebemos que não há alguém fazendo...
Há um tempo em que pensamos ser os agentes do acontecimento.
Há um instante em que percebemos que somos o que acontece...
Há um tempo em que pensamos a vida como a soma de todos instantes.
Há um instante que se percebe ser único, infinito...
quarta-feira, 6 de maio de 2009
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Exato momento |
Há tudo agora
Nesse exato momento...
Há vida,
E tudo pára,
Agora,
Nesse exato momento...
Ah, vida...
Há tudo dentro
Nesse exato momento...
Tudo sempre,
agora,
Nesse exato momento!
Ah, existência...
Há compaixão
Somente agora,
Nesse exato momento
Ah lua...
há luar
Agora
Nesse exato momento...
Ah onda...
há mar,
Agora,
Nesse exato momento
terça-feira, 5 de maio de 2009
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Paradoxo dos buscadores (1) |
A identidade de um buscador é definida pelo seu argumento de busca. Mas aquilo que busca é um objeto e um objeto não tem a capacidade de perceber o sujeito. Além disso, este "sujeito" não pode ser uma definição, pois se fosse, ela caberia dentro do mesmo objeto limitante que não consegue percebe-Lo. Esta indefinição é total e absoluta, por envolver e conter este objeto limitado. Para onde isso aponta? Para um ponto de não-definição, onde só há uma ação cabível: relaxar! Sem entender, pela impossibilidade total disso. Nem explicar, por sua relatividade temporal dentro do absoluto atemporal. Resta então vive-lo a cada momento até que sua expressão seja o que é, sempre: divinamente divina, em toda a sua extensão. O mais delicioso de tudo é que você já é isso, agora. Mas ainda se percebe como sendo alguns momentos especiais dentro de grandes momentos "não divinos". No exato instante em que você perceber profundamente que "momentos" finitos não são "Aquilo" ilimitado e incontivel e que todos os momentos não-divinos estão contidos dentro do momento divino único, infinito, será "transmutado" naquilo que sempre foi e nunca deixou de ser: o próprio sujeito-divino.
(Deva)
segunda-feira, 4 de maio de 2009
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Pingos de Chuva |
“... um dia, olhando para a chuva percebi que os pensamentos são exatamente como os pingos da chuva caindo. Os pingos nascem em algum lugar e desaparecem em outro. Mais tarde, voltam novamente. Nunca serão os mesmos, apesar de usarem a mesma água para existirem. Assim são os pensamentos. Eles existem, nascem em algum lugar, são percebidos e retornam para o mesmo lugar de onde vieram. Assim como os pingos da chuva, nascem na mesma origem. São inofensivos em si, mas podem se transformar numa grande força. Os pingos necessitam de uma força externa a eles para se transformarem em algo poderoso, como a tempestade. Os pensamentos necessitam desta mesma força externa a eles: que algo acredite e lhes dê validade. Um pingo d’água seca ao sol quando a ele exposto. Um pensamento se desmancha quando observado da forma como ele realmente é. Os pensamentos lhe dizem muitas coisas. Você acreditar nestas coisas é acreditar que pensamentos respiram, pensamentos fazem seu coração bater ou que até mesmo fazem a chuva cair. Observe bem e verá que todas estas coisas acontecem a seu próprio tempo sem a necessidade de serem pensadas. Faça um pouco mais: tente ficar um tempo sem pensar. Se conseguir, olhe e perceba que o que fez os pensamentos não acontecerem foi apenas um outro pensamento: o pensamento de evitar pensamentos. Não há nenhum mal nos pensamentos. Nem um bem. Há algum mal nas nuvens no céu? Elas aparecem e logo são levadas pelo vento. Perceba onde as nuvens aparecem e desaparecem. É onde os pensamentos aparecem e desaparecem. Onde seu corpo, as montanhas, os rios, os animais e as florestas aparecem e desaparecem...
(White Goose)
domingo, 3 de maio de 2009
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Inicio e fim |
"... Como acabará? Não faço a menor idéia. O princípio de todas as coisas revelou-se. Depois disso, por que procuraria pelo final? É como andar em círculos. Você nunca sabe em que ponto está. Início, fim... Onde está um, ali está o outro. Cada momento contém ambos: o princípio e o fim. Há algum sentido em saber quando algo começa e quando termina? Sob qual ponto de vista?"
(Deva)